Baselitz recria seu passado artístico

Na Estação Pinacoteca, 29 telas novas do alemão perpassam sua trajetória

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Por Camila Molina
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O pintor alemão Georg Baselitz está preocupado com a velhice. Aos 72 anos, um dos mais famosos de seu país, ele está em São Paulo para a inauguração de uma grande mostra que reúne 29 telas, realizadas entre 1998 e 2010 - algumas, saídas diretamente de seu ateliê, nunca vistas -, que se inaugura hoje para o público na Estação Pinacoteca. Consagrado, controvertido, volta ao Brasil depois de participar da Bienal de São Paulo de 1975. A exposição, com curadoria de Paulo Venancio Filho, torna-se, apesar de apresentar suas Pinturas Recentes (título da mostra), uma espécie de retrospectiva condensada do artista - porque nela estão as obras de seu projeto Remix, no qual ele retomou, revisitou, repintou obras de sua carreira, iniciada na década de 1960.Sendo assim, estão pinturas que remetem à marca de Georg Baselitz, a de pintar, logo em 1969, figuras de cabeça para baixo. Mas há mais ainda, sua maturidade, frescor. "O Remix é uma coisa de jovem, acho até que ele usou ironia", diz Paulo Venancio Filho, que há cerca de cinco anos conversou com o artista para a realização da mostra - inicialmente, um projeto para Porto Alegre, como afirmou Baselitz. A complexidade da produção do artista, que nasceu na então Alemanha Oriental, está em toda a exposição. "É importante ver como ele mantém a figura humana como uma luta em três fronts - com o realismo socialista, com o pop e com o minimalismo", afirma o curador. A seguir, trechos da entrevista que Georg Baselitz concedeu ao Estado na Estação Pinacoteca.Por que revisitar sua produção antiga com o projeto Remix?Sempre me interessei intimamente pela produção antiga de artistas. Há exemplos muito tristes e também tenho vários criadores que são inspiração para mim. Otto Dix, que teve um destino horrível na Alemanha, com a 2.ª Guerra Mundial; Edvard Munch, que não teve esse destino, mas continuou seu trabalho até idade avançada. De Kooning, que sofreu do mal de Alzheimer e trabalhou, apesar da doença. Interessei-me por esses destinos e fiquei pensando como poderia dar a volta. Porque a pressão sobre as quais os artistas sofrem ou que eles mesmos se colocam é muito forte. E tem um momento que há tanta pressão que você se fecha. Então, percebi que em meu passado muitas coisas eu não percebi, não trabalhei, não digeri dentro dos quadros. Que uma força motriz no passado foi a agressão. Então, você pega essas coisas novamente - a agressão se foi - sem pressão, e somente a ideia artística está lá. Funcionou. Artistas não só têm exemplos que os inspiram, mas dependências e essas dependências não podem ser demonstradas. Com certa idade, maturidade, você pode colocar como uma citação. E esse fenômeno pertence aos novos tempos. Richard Prince fez muitas vezes isso. Damien Hirst também. Remix é um processo sentimental de memória, como escrever um diário e o reler.Como então o sr. relaciona agora a "agressão" de outro momento, que não existe mais, como disse, e o contexto atual?Arte tem a ver com um posicionamento. Na Europa, o artista tem de fazer um comentário sobre o mundo. E se esse mundo, na Alemanha, na política, era ditatorial, então seu comentário é fatal. Nessa briga de saber melhor se você pertence à religião correta ou não, por muito tempo, muito se perde. E é uma briga que demanda muita energia à toa. Chega um momento, mais tarde, que você percebe que foi enganado, mal-educado. Levei 25 anos para entender que eu era totalmente independente, que ninguém quer nada de mim. Se achar um comprador, não preciso fazer comentário. Quando comecei, Pollock, Warhol, Rauschenberg, esses grandes artistas já existiam, e eu era um pequeno bobo alemão pobre. Você não pode defender um partido político. Temos um grande poeta, Günter Grass, que, com mais de 70 anos, tem de dizer que fez parte da SS. Isso é horrível.

 

GEORG BASELITZ: PINTURAS RECENTESEstação Pinacoteca. Largo General Osório, 66, Luz, tel. 3335-4990. 10h/18h (fecha 2ª). R$ 6 (sáb.grátis). Até 30/1.

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