Baseado em dramas reais

A história da advogada espanhola condenada a 14 anos de prisão por suposto sequestro da filha rende Amor Cruel, de Reyes Monforte

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Por Maria Fernanda Rodrigues
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A história que a jornalista Reyes Monforte conta em seu novo livro poderia ser mais uma sem final feliz como tantas por aí, e isso a autora deixa claro logo no título: Amor Cruel. Acontece que a história é verídica e a protagonista Maria José Carrascosa, uma advogada espanhola que se casou com um americano, ao invés de amargar uma dor de cotovelo porque o marido a abandonou, ganhou uma pena de 14 anos de prisão pelo suposto sequestro da filha Victória. O caso comoveu a Espanha em meados dos anos 2000, mas não chegou a abalar as relações diplomáticas entre os dois países envolvidos. E foi parar no WikiLeaks. O site de Julian Assange tornou público telegrama que mostrava uma mediação neutra proposital por parte da Espanha, assunto recorrente no livro, que mostra diversas tentativas vãs de um contato com o consulado do País em Nova York - inclusive para encaminhar medicamentos para a prisão. Em outro momento, foi divulgado que o ex-presidente Zapatero teria tentado uma intervenção ao pedir que os Estados Unidos encerrassem o caso. Mas isso só aconteceu devido a outro caso diplomático, e não porque uma cidadã espanhola estava presa injustamente em outro continente.Amor Cruel não é um livro de ficção convencional e não é um romance baseado no drama da família Carrascosa. São exatamente os últimos anos de Maria José contados em detalhes por amigos, familiares e outros condenados que conviveram com ela na cadeia. Situações cotidianas, como conversas em festas, consultas médicas, a rotina no esconderijo e na prisão, são exploradas pela autora na tentativa de montar o quebra-cabeça e dar uma voz à história. Com 15 anos de experiência em rádio e bastante conhecida na Espanha, ela poderia ter feito um bom livro-reportagem porque teve acesso a todos os documentos e aos principais personagens. Mas Monforte tem uma queda por narrativas romanceadas de tragédias reais. É autora, entre outros, de Uma Burca Por Amor, sobre outra espanhola, María Galera, que se apaixonou por um afegão, converteu-se ao islamismo para se casar, viajou ao país do marido e de lá não pode sair por causa do Talibã."Amor Cruel é mais realidade do que ficção. É, na verdade, um livro em forma de reportagem ficcional. Usei documentos oficiais, nomes reais, cidades e datas. É mais arriscado porque corre-se o perigo de os protagonistas não ficarem satisfeitos porque você contou mais do que devia ou menos, mas acho que assim é mais justo com o leitor. Uma vez mais a realidade supera a ficção. Por que recorrer, então, à ficção se a realidade ultrapassa com folga a imaginação mais exagerada?", comenta.Se Maria José gostou de ver sua intimidade revelada e explorada? Nem um pouco. Em entrevista ao El País, disse que processaria editora e autora. Monforte e Temas de Hoy, do Grupo Planeta, não receberam nenhuma notificação. Lançado em 2008 na Espanha, o livro já teve os direitos vendidos para a tevê, despertando de novo a ira da protagonista.Fadada ao fracasso desde o início, a história de amor de Maria José chega agora ao Brasil pela Planeta. Foi através de um site de relacionamentos, onde se inscreveu por curiosidade, que ela conheceu Peter Innes. E foram as fotos mandadas por ele que chamaram sua atenção (de um jeito bom) - em uma delas, aparecia abraçado a um urso de pelúcia; na outra, estava ao lado de uma árvore de Natal. Peter foi o escolhido entre mais de 1400 pretendentes e já no primeiro jantar Maria se apaixonou. Casou grávida, mas não por isso, três meses depois. Não ganhou nenhuma aliança e não estranhou. Perdeu o bebê logo depois e não teve a conta do hospital paga pelo marido, que se apresentou como um amigo e deixou a mulher se recuperando sozinha. Também não estranhou. Engravidou de novo quatro meses depois e o pesadelo começou. Ao comentar com ele que pediria o visto de residência, sofreu a primeira de muitas agressões, verbais, no princípio, e depois físicas - todas relevadas. Uma hora, no entanto, começou a se assustar. Mas foi o marido quem saiu de casa, deixando mulher e filha. Pouco depois, despachou Victória com os pais para na Espanha, enquanto resolvia algumas questões em Nova York.Chegou a Valência muito debilitada e começaram as suspeitas de que estaria sendo envenenada. Ganhou um tumor no pâncreas e perdeu o baço. O tratamento continua até hoje na cadeia. Já na casa dos pais, recebeu a primeira ordem para que levasse a filha de volta aos Estados Unidos e começou sua busca pelos melhores advogados - milhares de euros já foram gastos e pelo menos uma dezena de advogados foi demitida. Sem conseguir resolver a situação a partir da Espanha, certa de que tudo não se passava de um grande mal-entendido e ignorando o conselho dos amigos e familiares, viajou para os Estados Unidos e se apresentou à corte. Lá, recebeu o ultimato: ou levava a criança para o pai ou seria presa por sequestro. Além de sua teimosia, outra complicação se impôs. No meio do processo, o justiça espanhola, por considerar que Victória deveria ficar no país, confiscou o passaporte da garota. Então, nem que ela quisesse poderia embarcar a filha. Conseguiu se esconder por alguns meses até que foi presa em cena típica de cinema. Confiou que seria por pouco tempo, mas lá se vão seis anos. Deve esperar outros oito para reencontrar a filha, hoje com 11 anos. Houve uma tentativa de amenizar a situação no julgamento, mas isso incluía a convivência entre pai e filha. Maria José não aceitou.Se Peter não se interessava pela família, por que tanto empenho no caso? "Só ele tem a resposta. Peter diz que é tudo mentira, mas aí está a realidade: Maria está presa e sua filha vive com os avós na Espanha. As duas pagam o preço mais alto. Entre o amor e o ódio há um passo. E se todos chegam a fazer tudo por amor, também fazem tudo por ódio. A humanidade está repleta de exemplos como esse", diz.

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