Avanço e recuo

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Por Gabriel Priolli
Atualização:

Uma avaliação da televisão brasileira na primeira década do século 21, pelo ângulo da tecnologia, traz resultados contrastantes e oferece um interessante balanço de perdas e ganhos. Nunca houve tantas e tão rápidas mudanças tecnológicas nesse mercado, que completou em 2010 os seus 60 anos de existência no País. Nunca esteve também tão ameaçada a sua hegemonia, no conjunto das mídias oferecidas aos brasileiros. É possível dizer que, nesta década, paradoxalmente, a TV avança e recua ao mesmo tempo, pressionada por diferentes vetores do desenvolvimento tecnológico.Os anos 2000 começaram com as emissoras brasileiras transmitindo imagens em sistema analógico, para televisores de tubo (tecnologia CRT, Cathode Ray Tube). Encerram-se com transmissões simultâneas em sistema analógico e digital, e com os televisores de tubo perdendo espaço rapidamente para os aparelhos de plasma, LCD e LED, enquanto o 3D esquenta os transistores. As imagens são captadas tanto em telas gigantescas, que já atingem 100 polegadas, como nos displays minúsculos dos telefones celulares, dos GPs ou dos televisores móveis. O sinal de TV é onipresente no espaço privado ou público, tal a quantidade de tecnologias que podem oferecê-lo.No entanto, a despeito dessa oferta abundante, os índices de audiência são declinantes no Brasil - como, de resto, no mundo todo. Na Grande São Paulo, em 2005, os televisores ligados durante o horário nobre atingiam 63% do total de aparelhos instalados. Hoje, flutuam em torno de 55% e os números seguem caindo. Aproxima-se o momento em que teremos mais televisores apagados do que acesos, a qualquer hora do dia.A principal responsável por isso é outra tecnologia, mais completa e avançada do que a TV conseguiu lograr até agora: a internet em banda larga. Ela cresce nestes anos 2000 com a velocidade da luz e já oferece conexões domésticas ultrarrápidas, permitindo ao usuário a assistir vídeos ou programas de TV via computador com qualidade quase equivalente à encontrável nos televisores. Com uma vantagem adicional - a plena interatividade -, que viabiliza até mesmo o tráfego de conteúdos gerados pelo próprio usuário, em suas câmeras de vídeo ou celulares. E que faz dela um meio de comunicação muito mais interessante do que qualquer outro.Um emblema da situação paradoxal da televisão são os reality-shows, surgidos por aqui em julho de 2000, com a estreia de No Limite na TV Globo, e consagrados com Casa dos Artistas (SBT, 2001) e Big Brother Brasil (Globo, 2002). Eles se baseiam na participação ativa do público, seja como protagonista dos programas, seja como votante na eliminação de participantes. Mas, embora a TV digital esteja em operação no País desde dezembro de 2007 e a tecnologia permita a interatividade do usuário, nenhum telespectador pode fazer uso dessa funcionalidade, pelo simples fato de que as emissoras ainda não se interessaram em implementá-la. Assim, quem vota nos reality-shows tem de fazê-lo pela internet ou pelo telefone, em vez de simplesmente usar o controle remoto do televisor. É TV interativa com a mídia dos outros, sem refresco para ninguém.Outra funcionalidade da TV digital que afetaria o mercado, pela multiplicação do número de canais disponíveis, seria a multiprogramação. Mas, novamente, o telespectador não se beneficia. A multiprogramação só está autorizada pelo Ministério das Comunicações para emissoras educativas e apenas a TV Cultura de São Paulo faz uso dela, veiculando os canais TV Univesp e Multicultura, além do seu próprio sinal. O argumento para vetar-se o uso da funcionalidade à TV comercial é de que não há mercado publicitário capaz de financiar os novos canais, que surgiriam do desdobramento dos canais existentes.Ainda assim, o advento da TV digital é a notícia mais importante da televisão nos anos 2000. A nova tecnologia produzirá mais efeitos sobre o mercado nas décadas vindouras, mas já permite à televisão encarar com algum otimismo a concorrência seriíssima da internet. Se ainda não é interativa e multicanal, já transmite em alta definição de som e imagem, e é perfeitamente sintonizada em dispositivos móveis. Está em plena disputa pela atenção do consumidor, sobretudo o jovem, o telespectador mais infiel nos tempos que correm.Nos anos 2000, o surgimento de uma nova linha de humor, com produtos como Pânico (RedeTV!, setembro de 2003) e CQC (Band, março de 2008) levou à obsolescência de um programa tradicional como Casseta & Planeta (Globo), que sairá do ar este mês, depois de 19 anos de sucesso. Da mesma forma, o esgotamento temático e formal das telenovelas determinou a perda progressiva de audiência do gênero, a despeito de êxitos como O Clone (Globo, 2002) e Senhora do Destino (Globo, 2004-2005), e de experiências exóticas como Metamorphoses (Record, 2004) ou Os Mutantes - Caminhos do Coração (Record, 2008).A internet, portanto, é ameaçadora. Mas não é apenas ela que explica a trajetória da TV nesta década, que se vai sem nada de extraordinário a celebrar.GABRIEL PRIOLLI É JORNALISTA E PRODUTOR

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