Autor de "O Gênio do Crime" prepara novo livro

João Carlos Marinho isola-se em um hotel, em Monte Verde, para escrever o livro que tem título provisório de O Lobo Camanducaia

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Por Agencia Estado
Atualização:

Escondido num hotel de montanha, João Carlos Marinho escreve. Autor dos já clássicos O Gênio do Crime, O Caneco de Prata e Sangue Fresco, entre outras peripécias da turma do gordo, ele esteve preparando no vilarejo de Monte Verde, município de Camanducaia, um novo livro, que já tem sua espinha dorsal pronta. "Falta só decidir que avenidas vai pegar." O trecho inicial, guardado no computador com o título provisório de O Lobo Camanducaia. Há uma semana, Marinho voltou de Monte Verde e mandou avisar: não há lobo na história, o que já a torna misteriosa. Para quem ainda não o conhece, depois de 31 anos de sucessos (O Gênio do Crime está na 51.ª edição pela Global), é fundamental que se diga: Marinho é um escritor de livros para crianças, mas não é escritor infantil - o que, como bem define Ziraldo, parece escritor retardado. Quem o lê, ainda que adulto, não se arrepende. Seus personagens, uma turma de classe média paulistana, descobriram o mundo e outras classes sociais em oito livros, sempre com um humor fino e estratégias requintadas. Nos últimos dois, passaram a explorar os seres extraterrestres. O mesmo devem fazer no próximo. Em Monte Verde, esse estranho autor, que conta a piada e gargalha ele mesmo antes de todo mundo, dá corda a suas idiossincrasias: no pequeno quarto que aluga, duas caixas de banana e uma de mamão ocupam o pouco espaço que uma cama de casal, o computador e a lareira do quarto deixam. Pela manhã, ele abre as frutas, coloca-as sobre travessas de aço e as leva para a varanda. Senta-se numa cadeira de praia e espera os passarinhos encherem a pança. "Tem um canarinho que é um espetáculo, é o da seleção", comenta, assustando os bichos. As aparências enganam, e engana-se quem pensa que a vida do ex-advogado trabalhista é puro bucolismo. As montanhas Pedra Partida, Pico do Selado e Chapéu do Bispo, famosas por serem campos de pouso de extraterrestres e que aparecem nos seus mais recentes livros, O Disco e A Catástrofe do Planeta Ebulidor, estão à sua volta, mas não é só daí que ele tira suas idéias. O nome do planeta Ebulidor, que apareceu pela primeira vez em O Disco, veio exatamente de um aparelho elétrico ainda comum em Monte Verde (e que, apenas para informar aqules que guardam informações inúteis, é chamado de rabo-quente no Paraná), usado para esquentar pequenas quantidades de água. Marinho, quando vai para a montanha escrever, fica, até a história que lhe apareceu começar a andar sozinha. Seus parentes é que vão visitá-lo, no final de semana. São 135 km, de São Paulo. Sobre o novo livro, Marinho diz que não dá mais detalhes, por temer que suas idéias sejam copiadas, como diz que já aconteceu. Boa história - "Só escrevo quando acho que tenho uma boa história", diz. "Não escrevo de encomenda." É mais ou menos assim que define os seus personagens: "Eles não procuram a aventura, é a aventura que entra na vida deles." Um exemplo, tirado de seu livro original: Edmundo, um dos meninos da turma, está para completar um álbum de figurinhas de futebol, o que lhe daria direito a um jogo de camisas do Corinthians. Mas falta uma das figurinhas difíceis, que é a do Rivelino. Ele procura o jogador no treino do clube, mas é em vão: ele também tem o álbum, e também lhe falta a própria imagem. Os meninos compram a figurinha do cambista, vão à fábrica, mas não recebem o prêmio. Com outros meninos, ameaçam destruí-la, mas acabam preferindo procurar um advogado. Aí, é o dono da fábrica que explica a situação: há alguém falsificando as figurinhas difíceis. E os detetives adultos não conseguem descobrir quem é esse gênio do crime. Será que a turma do gordo poderia ajudar? Assim são os livros de Marinho: os adultos fazem coisas de criança, as crianças se metem no mundo dos adultos. Não há uma linha clara, que os separe. Há um universo fluido, em que os adultos se infantilizam (mas não se idiotizam) e as crianças que se "adultizam" (mas não se idiotizam). Apaixonado por Monteiro Lobato, autor de Caçadas de Pedrinho e Aritmética da Emília, Marinho, no entanto, não acredita em livros para uso didático. Diz que o melhor Lobato é o que não tem preocupação com isso e que seus livros do gênero só não são absolutamente chatos porque o autor consegue ir além disso, mesmo quando a sua preocupação era só essa. "O livro, para mim, nunca foi para ler na sala de aula." Nos anos 70, quando O Gênio do Crime passou a ser utilizado pelos professores, escreveu um livro infanto-juvenil para acabar com os livros infanto-juvenis - O Caneco de Prata. Quase conseguiu, mas ele mesmo acabou voltando, depois, para a narrativa convencional. Ainda bem, caso contrário não teríamos Sangue Fresco, livro em que outro gênio do crime organiza campos de concentração de crianças para doação de sangue infantil (o melhor do mundo). O Caneco de Prata, além da ironia que o título já trazia, dada a comparação com a taça Jules Rimet, tinha uma estrutura "surrealista", na definição do próprio autor. Não contava com uma estrutura linear, combinava personagens que nem se cruzavam, tocava no difícil tema dos esquadrões da morte (naquela época de chumbo) e contava com trechos como: "A ARANHA ESTRABOSCÓPICA deu um pulo e comeu o mosquito. E assim termina a rapidíssima participação da ARANHA ESTRABOSCÓPICA nessa minha história." Não adiantou. O livro foi parar numa sala de aula da rede pública e, imaginem, acabou sendo considerado nocivo às crianças. Marinho almoça todos os dias no mesmo restaurante, para economizar. Evita a comida mineira, porque está quatro quilos acima do peso normal. A gordura, que se concentra na barriga, para seu desespero, ganhou depois do casamento. Quando está acompanhado, conta histórias e fala de futebol. Compara o gol de Sócrates contra a Itália, em 1982, ao sofrido pelo goleiro Barbosa, na Copa de 1950, marcado pelo uruguaio Ghigghia. "É o mesmo gol, ele olhou para lá e chutou no canto." Também fala da época em que foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que sofreu intervenção de Joaquinzão. Lembra da única defesa que fez na Justiça Militar. E faz suas lamentações, mesmo que continue um otimista de carteirinha. "As pessoas têm medo da noite, a noite é uma delícia." Tinha uma casa de praia em São Sebastião, mas acabou expulso pelas lâmpadas de mercúrio. Atirava nelas, porque elas o impediam de ver o céu. Antes, já se considerava expulso de Santos. Antes ainda, viveu na Suíça, onde fez o segundo grau. "Naquela época, não era caro, o cruzeiro (a moeda) era forte. Você vê, os italianos não compraram o Pelé." Mas antes ainda, viveu em São Paulo, com os avós e num colégio interno. Estudou no Mackenzie, que era uma grande chácara, "ia quase até a Avenida Ipiranga". Teve uma governanta suíça (que falava alemão), mas, ao contrário do personagem de Amar, Verbo Intransitivo, não teve sua iniciação sexual com ela. "Seria impossível, ela era muito feia", diz e gargalha. "Tanta coisa já desapareceu da minha vida", reclama, com raiva das administrações. Mesmo assim, acha que a infância é uma época universal e, portanto, também atemporal. "O Gênio do Crime é de uma época em que não havia marginal, tinha bonde na cidade, mas continua sendo lido pelas crianças de hoje, com a mesma intensidade e gosto", acredita. Para confirmar sua tese, diz que o maior elogio que recebeu foi sua filha ter encontrado um garoto dando gargalhadas num ônibus. Foi ver o que era, e ele estava lendo o livro - pela décima vez. Um desafio foi fazer um outro filho, Alex, ler os seus livros. O menino resistia, mas, quando tinha 12 anos, o pai deu um jeito. Publicou uma foto sua, que até hoje ilustra seus livros, em que o menino aparecia - com uma camisa do Corinthians claro, porque o pai nunca deu outra opção. Talvez com razão, João Carlos Marinho não tem o costume de ler outros livros infantis. Para Monte Verde, carregou uma pequena biblioteca, mas é a busca do tempo perdido de Proust que mais o provoca, no momento. "Tem livro infantil cheio de desenho, com letras enormes, para dar algumas páginas. Ou partem do pressuposto de que as crianças não lêem, ou de que o sujeito não tem o que dizer." Depois do almoço, ele volta para casa. As baixelas de inóx estão lá, mas já estão vazias. Marinho não repõe as bananas porque os pássaros podem exagerar.

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