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Luzes da cidade

Autenticidade e marquetagem

NOVA YORK - Um estado rural com menos da metade da população de Nova York dá a partida, hoje, para a votação numa das mais estranhas campanhas presidenciais dos Estados Unidos. Dois pré-candidatos que provocavam risos entre veteranos meteorologistas políticos há um ano têm chances de levar o cáucus de Iowa, o primeiro da série de primárias estaduais para escolher o candidato de cada partido. Entre os republicanos, o bilionário bufão Donald Trump está vários pontos à frente do senador texano Ted Cruz. Ambos têm em comum o extremismo e o fato de serem detestados pelo próprio partido. O senador de Vermont Bernie Sanders é um independente que concorre pela sigla do Partido Democrata e ameaça repetir a façanha de Barack Obama em 2008: tomar de Hillary Clinton a vitória que ela considerava sua.

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

Esta noite vamos saber quem são os vencedores e uma das pesquisas mais confiáveis em Iowa ainda coloca Hillary com vantagem apertada. Observadores do processo eleitoral norte-americanos coçam a cabeça diante da importância de um Estado cuja população de apenas três milhões, 91% branca, não representa mais demograficamente os Estados Unidos. O que Iowa tem é o privilégio de ser o primeiro, de concentrar desproporcional atenção da mídia e de passar candidaturas fúteis pela peneira. A expectativa é que o campo republicano de 12 candidatos comece a ser reduzido esta semana. Entre os democratas, um terceiro candidato, o ex-governador de Maryland Martin O’Malley tem, no momento, tantas chances de ser o indicado quanto esta colunista tem de ser escolhida líder de uma gangue dos Hells Angels.

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Mas Iowa, ao obrigar um corpo a corpo com pequenos grupos de eleitores, num Estado agricultor, propaga também um mito da política que combina com a história dos azarões de 2016. Tanto Donald Trump como Bernie Sanders, de seus polos ideológicos opostos, são reunidos na categoria do político autêntico, que diz o que pensa e não o que lhe dita seu João Santana.

Os excessos da marquetagem na política contemporânea produziram enorme cinismo no eleitor. Mas a manipulação de imagem por políticos americanos é uma tradição centenária. Teddy Roosevelt, que governou o país entre 1901 e 1909, é considerado um brilhante pioneiro do spin, a prática de empacotar fatos e qualidades para polir a imagem.

O historiador David Greenberg, da Universidade Rutgers, lançou há pouco o livro Republic of Spin: An Inside History of the American Presidency, uma história da presidência norte-americana sob o ponto de vista das relações públicas e do uso da mídia. Ele acha que vivemos um tempo de “spin of no spin”, isto é, da manipulação da imagem do político que quer nos convencer de que não manipula sua imagem. Greenberg não acredita que os candidatos mais autênticos sejam os mais elegíveis. Hillary Clinton construiu uma imagem de que não faz outra coisa senão cuidar da própria imagem. Mas, em pesquisas nacionais, ela dá uma surra no adorável Bernie Sanders.

Barack Obama se apresentou, em 2008, como a refrescante alternativa aos conchavos de Washington e seu governo é apontado como um dos menos transparentes da história recente. Quando ficamos de queixo caído ao saber que Obama foi gravar um podcast na garagem de um comediante, não prestamos atenção ao detalhe: foi a Casa Branca que entrou em contato com o anfitrião, Marc Maron, e ofereceu a inusitada entrevista, uma chance de falar por uma hora com um interlocutor bem mais hospitaleiro do que veteranos repórteres políticos e que conta com uma audiência mensal média de três milhões.

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Os políticos mais bem-sucedidos são produto, em maior ou menor grau, de marketing. Os problemas vêm quando seu próprio comportamento começa a demolir a imagem cuidadosamente construída.

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