Atriz descobre autobiografia de Procópio Ferreira

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Por Agencia Estado
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Um lote pesado de 40 caixas permaneceu fechado durante muito tempo na casa da atriz e diretora Bibi Ferreira. Não se sabia ao certo seu conteúdo, apenas que guardava recortes do pai de Bibi, o ator Procópio Ferreira, um dos mais populares da história do teatro brasileiro morto em 1979. No ano passado, uma secretária da família, Mercedes Carneiro, decidiu revirar as caixas antes de uma mudança e encontrou um tesouro: embrulhado em jornal, estava um manuscrito cuidadosamente preparado. Era uma autobiografia de Procópio, pronta para publicação, lançada neste ano com o título Procópio Ferreira apresenta Procópio (Rocco, 416 páginas, R$ 35). "Nem eu sabia da existência desse material", surpreende-se Bibi, que manteve uma estreita relação com o pai. "Ele escreveu o livro em silêncio." Procópio, no entanto, confidenciou sobre o projeto a alguns amigos. Sirene Tostes, por exemplo, atriz da companhia do ator, contou que, no período em que morou na casa de Procópio, em São Paulo, acompanhou seu trabalho: à tarde, ele escrevia à mão e depois pedia sua avaliação. Em seguida, enviava o original a um datilógrafo. Durante 20 anos, os escritos ficaram guardados, resultando agora em um depoimento sobre sua paixão pelo teatro. Detalhista, Procópio arquivava críticas, favoráveis ou não, publicadas sobre seus trabalhos. A ponto de o livro dividir-se em duas partes. A primeira vai até 1936, ano considerado divisor de águas em sua trajetória - até então, o livro relata sua ascensão e consagração, culminando com uma vitoriosa excursão a Portugal. Todos seus passos são reproduzidos a partir da seleção de notícias. A partir de 36, Procópio decide interromper sua coleção de recortes. O efeito é verificado no livro, em que o ator escolhe discorrer sobre temas diversos, desde companheiros de palco até situações históricas. É curiosa, por exemplo, sua relação com Getúlio Vargas. No início da década de 30, Procópio apóia a revolução que depôs o presidente Washington Luís. Ao se instalar a ditatura, porém, o ator diminui seus encontros com Vargas. "Ele não aceitava um governo que impunha suas vontades", conta Bibi. Procópio revela-se também favorável a revoluções estéticas, como a proposta de Flávio de Carvalho de lançar o teatro experimental. Para ele, a busca de uma dramaturgia genuinamente brasileira justificava seu apoio, ainda que para uma forma de atuar completamente diferente da sua. Revirar de olhos - Os críticos apontam Procópio Ferreira como um ator de comunicação exuberante, mestre ao matizar suas frases com as mais ricas inflexões, capaz de levar a platéia ao delírio com um simples revirar de olhos. E, desde seu primeiro êxito, em 1919, com Juriti, de Viriato Correa, sua carreira estendeu-se por seis décadas. O talento, apesar de reconhecido, frustrou alguns críticos, como Décio de Almeida Prado, que buscava o homem de teatro pleno que Procópio deveria ter sido. Para Décio, o ator poderia ter-se transformado na alavanca de renovação do autêntico teatro brasileiro. O estopim poderia ter sido Deus lhe Pague, obra de Joracy Magalhães que se tornou a marca registrada de Procópio: foram exatas 3.621 apresentações, a recordista no vasto repertório de 422 peças encenadas pelo ator. A obra destaca-se como um teatro de tese, uma espécie de antecipação dos textos políticos surgidos nas décadas de 50 e 60. O crítico acreditava que o ator cristalizou-se e deixou-se ficar à sombra de seu grande sucesso. Assim, não encabeçou a renovação que vicejava à sua volta. Bibi contesta - para ela, Procópio servia como semente ao trazer público para suas comédias. "Ele defendia, como se observa no livro, o autor nacional em uma época em que só se valorizavam produções estrangeiras", disse. "Procópio atraiu muitos espectadores com sua graça."

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