O ator, diretor e produtor Odilon Wagner encerrava a temporada de mais um espetáculo, há cinco anos, quando percebeu que, ao longo de sua trajetória, trabalhara com diversos veteranos do teatro. “Atores e atrizes talentosos que ajudaram a escrever a história do nosso teatro e TV, mas cujas histórias ameaçam se perder com o tempo”, conta ele que, aos poucos, foi anotando casos, especialmente os mais pitorescos. Depois de juntar um farto material, Wagner escreveu a peça A Última Sessão, que estreia no dia 16 de janeiro, no Teatro Frei Caneca.
Trata-se de um espetáculo de e sobre veteranos, interpretado por um elenco que é uma seleção de ouro: Sylvio Zilber, Laura Cardoso, Nívea Maria, Miriam Mehler, Yunes Chami, Gabriela Rabelo e Gésio Amadeu (em pé, na foto acima), além de Sonia Guedes e Etty Frazer, todos representando amigos, com idades variando entre 75 e 85 anos. “Certo dia, depois de um ensaio, decidimos somar o tempo de carreira do nosso grupo”, conta Zilber, exibindo um sorriso maroto. “Chegamos a um número aproximado entre 550 e 560 anos.”
Foram esse vigor e alegria que Odilon Wagner buscava ao construir a trama da peça, que se passa durante um almoço de domingo no Clube Inglês, onde velhos amigos se reúnem a cada semana. Encontros habitualmente tranquilos até que um dos participantes, um ator amargurado com o rumo de sua vida, resolve fazer um acerto de contas com os parceiros de jornada, inspirado em A Tempestade, de Shakespeare. A comédia salta, assim, para o drama, as desavenças são resolvidas com uma franqueza cortante até a conclusão, que se revela um final inesperado.
“Durante todo o tempo do espetáculo, nenhum ator sai de cena”, comenta Wagner que, durante o período de escrita, se sentia motivado com o sucesso de filmes protagonizados por elencos veteranos, como O Exótico Hotel Marigold e O Quarteto. “Com isso, buscamos não apenas valorizar a maturidade como também mostrar um vigor ainda existente na rotina dessas pessoas.”
Tal vitalidade foi comprovada pela reportagem do Estado, ao acompanhar um encontro dos atores. “Quando li o texto, fiquei intrigada pois parecia um quebra-cabeça”, conta Laura Cardoso, 86 anos, que estreou no teatro em 1959, no espetáculo Plantão 21, dirigido por Antunes Filho. “Mas, além disso, o que também me motivou foi dividir o palco com colegas da mesma geração.”
A identificação, de fato, foi essencial. “Todos compartilhamos memórias comuns, o que raramente acontece, pois quas</CW><CW-9>e sempre dividimos o palco com atores mais jovens, a maioria sem conhecimento do nosso passado artístico”, comenta Gabriela Rabelo, que estreou profissionalmente no Teatro de Arena, em 1967. “Isso torna o convívio mais próximo.”
O mesmo motivo atraiu Miriam Mehler, 78 anos, também integrante do Arena no qual participou da clássica montagem de Eles Não Usam Black-Tie, em 1958. “Meu espetáculo anterior, Oscar e a Sra. Rosa, foi um monólogo que, apesar do delicioso desafio de enfrentar sozinha o palco, me deixava angustiada por também estar só no camarim”, observa. “Agora, eu mes sinto acompanhada, mas o sossego termina em cena porque o texto do Odilon provoca verdadeiros embates.”
Além do desafio cênico enfrentado por todos, Etty Fraser soma outro mais: com dificuldade para andar por conta de um pequeno acidente sofrido há alguns anos, ela vai utilizar uma cadeira de rodas motorizada. “Mas não quero que isso desvie a atenção do público”, garante ela, 80 anos, atriz integrante da primeira fase do Teatro Oficina, estreando em 1959.
Se começa com um prosaico jogo de bingo, a peça transforma-se em um ajuste de contas quando um dos personagens precisa desabafar. “Aí, gavetas enferrujadas são abertas”, compara Sylvio Zilber, 77 anos, que estreou em 1961 com José do Parto à Sepultura, dirigido por Antonio Abujamra. A sucessão de surpresas culmina com um desfecho também inesperado, protagonizado por Marlene Collé, há anos vivendo nos bastidores do teatro e hoje camareira contratada do Teatro Municipal. “Sua presença serve como homenagem aos profissionais que, por trás da cena, ajudaram a construir a história do nosso teatro”, comenta Wagner, que reservou para Marlene, no desfecho do espetáculo, uma rara oportunidade de projetar a voz – por ser surpresa, não convém aqui revelar.
Os desafios são grandes, pois A Última Sessão busca, entre outros assuntos, tocar também num dos poucos temas verdadeiramente tabus da contemporaneidade: o sexo na terceira idade. “O desejo ainda pulsa, está presente e é mostrado de uma forma delicada”, conta o autor/diretor. “A maturidade nos deixa mais maleáveis em relação a vários assuntos, como preconceito, diferenças sociais, afetividade e também o sexo”, observa Nívea Maria que, aos 66 anos, completa agora meio século de carreira, construída notadamente em novelas de televisão. “Mas, como diz minha personagem na peça, nosso sangue ainda ferve.”