Atores do mundo

Escrito nos anos 1970, 'Teatro do Oprimido' ainda capta atual realidade política

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Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Augusto Boal passou boa parte de sua vida lutando contra o teatro. Contra aquele teatro que conheceu, "que dizia àqueles que assistiam quem eles eram, quais eram os seus problemas e quais as soluções a serem dadas", comenta o filho do diretor, Julián Boal. Em Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas, o estudioso lançava-se à investigação de um novo meio de se relacionar com o público. Propunha subverter a lógica tradicional - intérpretes no palco, espectadores na plateia. Se as relações entre as pessoas não mudassem, nada poderia ser, de fato, transformado. O livro, que é agora relançado, traça uma constante analogia entre artes cênicas e vida política. A mesma relação hierárquica que existia na sala de espetáculos se espraiava para fora dela: na maneira como dividimos o mundo entre as pessoas que sabem e as que não sabem, entre aquelas que têm o direito de agir e as que não têm. "A atualidade de suas ideias está precisamente aí: nessa dualidade que ainda pauta o nosso sistema parlamentar, um sistema de democracia em que o cidadão não tem o direito de se expressar. Ou, pior, em que sua expressão não é levada em conta", pondera Julián. Eram anos difíceis aqueles em que Boal se lançou a escrever essa obra. Desde 1956, havia se estabelecido em São Paulo. Após estudar direção e dramaturgia na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, começara a exercitar um novo estilo de realismo. Também viria a nacionalizar a dramaturgia, criando textos como Revolução na América do Sul. E a forjar outras feições para os musicais quando trouxe à cena Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes. A ditadura veio frustrar todo um virtuoso ciclo de produção. Ao ser obrigado a deixar o País, em 1971, o artista viu-se impedido de praticar o seu ofício. A solução? Migrar para o campo das ideias. "O Teatro do Oprimido tem a potência de um impulso interrompido. Curiosamente, o fato de não poder fazer teatro não enfraqueceu o seu pensamento. Fez com que toda sua energia se concentrasse na reflexão", diz Julián.Foi por meio da palavra que esse artista dominou o mundo. Se seus títulos estavam fora de catálogo no Brasil e começam agora a ser reeditados, o mesmo não ocorreu em nações como os Estados Unidos e a Inglaterra, onde estão constantemente disponíveis. "Ele está sempre sendo publicado e republicado lá fora. Estou assinando novos contratos o tempo todo", comenta Cecília Boal, psicanalista e viúva do estudioso. Um de nossos mais importantes críticos teatrais, Sábato Magaldi já diagnosticava nos anos 1990 a necessidade de reter Augusto Boal no Brasil. "Sua potencialidade criativa não tem sido devidamente aproveitada entre nós. Enquanto o resto do mundo, dos Estados Unidos ao Japão, do Canadá a Austrália, valoriza a sua teoria e a sua prática."Para Cecília, o problema é ainda mais amplo, não sendo possível circunscrevê-lo nem a Boal nem ao Brasil. "Isso não acontece só aqui", considera. "Esse teatro mais ligado à pesquisa está abandonado de uma maneira geral - à exceção de alguns poucos lugares, que dão valor à erudição e à universidade."Aparentemente, porém, a situação está prestes a melhorar. Uma recente polêmica envolveu o acervo de Augusto Boal. Por sua relevância, o conjunto de 20 mil documentos e 2 mil fotografias chegou a ser disputado pela Universidade de Nova York. Após protestos da classe artística, a Universidade Federal do Rio de Janeiro acabou assumindo a guarda da coleção: o processo de tratamento das obras já começou e o CCBB prepara uma grande exposição desse conjunto. A mostra deve abrir em agosto de 2014, no Rio. Em seguida, segue para as outras unidades do centro cultural, em Brasília, Belo Horizonte e São Paulo. "Mas também temos planos para que essa exposição chegue a outros lugares, uma opção seria levá-la para algumas universidades", diz Cecília. Revolução possível. Muito mudou desde que Boal lançou o seu Teatro do Oprimido. Havia, naquele momento, uma possibilidade de revolução popular que não mais se coloca no horizonte. Substituíram-se governos militarizados por outra forma de controle social: o autoritarismo do discurso único. "Se no tempo das ditaduras tinha um sentido você falar em participação popular, hoje numa época de Facebook e Big Brother isso não se dá da mesma maneira", considera Julián, que se dedica a divulgar a técnica do pai por meio de cursos e oficinas. Bertolt Brecht foi uma das maiores influências de Boal. E, diferenças à parte, talvez seja coerente olhar para seus legados de maneira análoga: ambos perderam parte de seu sentido com o passar do tempo. Mas também se viram revestidos de novos significados e usos quando confrontados com novas realidades.

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