
28 de janeiro de 2011 | 00h00
Em Killoffer, que é também artista plástico e ilustrador, o uso do preto e do branco, tão caro a Art Spiegelman, Marjane Satrapi e outros, tem aparentemente uma origem bem mais experimental: as revistas Rubber Blanket, de David Mazzuchelli. Killoffer produziu esse trabalho em 2002, partindo de uma experiência pessoal: ao mudar-se para Montreal, numa daquelas tentativas de se retomar o controle da vida que caiu na rotina, ele se martiriza por ter deixado uma pilha de louças sujas em sua pia do apartamento de Paris.
"Todos têm vontade de acreditar. Seria preciso poder dizer que a vida, aqui ou em outro lugar, não tem o mesmo sabor; que em algum lugar é, inclusive, melhor, mesmo que não se saiba onde, mesmo que se vá para lá, logo, logo, e como ela é intensa, por dentro, por fora, a cem por hora, nossa vida segue", escreve o autor, enquanto seu personagem se divide em duplos, triplos, centenas de Killoffers digladiando-se por um pedaço de coerência.
"Por que criar monstros, zumbis e alienígenas quando o verdadeiro horror está sob a sua pele?", disse Charles Burns a respeito do álbum.
Há também um grande componente freudiano no álbum, com Killoffer pisando fundo nas perversões e no inconsciente - chega a mostrar um estupro coletivo, no qual ele se vê impelido a participar (com mais outros três Killoffers). Aceitação, pecado e danação, fúria e negação. É tudo um coquetel intragável, mas Killoffer é, acima de tudo isso, uma estratégia narrativa nova, surpreendente, uma aventura pela linguagem.
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