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Atenas e Jerusalém

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Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

O ensaísta George Steiner pegou emprestado o título do livro de Dickens, Uma História de Duas Cidades, para resumir sua tese sobre o legado duplo que informou a cultura do Ocidente. As duas cidades de Dickens eram Paris e Londres. As da tese do Steiner são Atenas e Jerusalém. Para Steiner, vem da herança grega o nosso vocabulário político e social, o pensamento lógico e a especulação científica, mas este legado com raízes na Atenas antiga teve que conviver, nem sempre pacificamente, com o legado hebraico, que opõe à tradição helênica uma tradição de fé e transcendência, e o conceito da lei como interpretação, sempre, de um imperativo moral.  Para Steiner, dois aspectos das duas tradições – o da razão científica nascida em Atenas e o do messianismo hebraico – se juntam em três figuras, Marx, Freud e Einstein, ao mesmo tempo produtos do judaísmo, da estirpe dos velhos profetas e inauguradores da modernidade. Os três traduziram em termos seculares – Marx na sua gana por justiça social, Freud na sua reinterpretação dos mitos da Criação e até Einstein na sua busca de uma ordem cósmica – preceitos do judaísmo histórico. Através deles e de sua apostasia revolucionária, somos todos, um pouco, filhos de Jerusalém.  Curioso é que – pulando das teorias para os nossos dias – se pode chamar de uma simétrica reversão de papéis a atual rebeldia dos gregos contra os que querem obrigá-los a se sacrificar para contentar seus credores, em nome da obediência às regras de um jogo viciado. Forçando só um pouco a analogia: os gregos hoje invocam uma razão moral, da herança hebraica, para não entregar seus filhos à voracidade do capital financeiro. Atenas invadiu Jerusalém. Hoje é a Grécia que se opõe ao amoralismo dominante e aos frios cálculos da deusa Austeridade, uma divindade que não tolera contestadores, ainda mais com as calças na mão.  Ninguém acredita que o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, vá aguentar a pressão por muito mais tempo. Ele já fez concessões ao FMI, ao Banco Central Europeu e à União Europeia, a trinca que pune quem não paga, e agora está dizendo que vai esperar que os credores encontrem motivos para perdoar a Grécia, no seu coração. Mas a deusa não tem coração.   

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