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"Assalto ao Trem Pagador" sai em vídeo

Baseado em fato real, é um filme eletrizante. O assalto rende muito dinheiro aos ladrões. O assaltante que tem olhos azuis pode comprar um carrão, os favelados não, para não dar na vista

Por Agencia Estado
Atualização:

Uma história de crime pode também se revelar uma excelente radiografia da sociedade onde esse crime acontece? Pode, como comprova o cinema noir americano que, em seus anos de ouro, é, também e sobretudo, um grande cinema social. No Brasil, essa dupla função sempre foi preenchida com dificuldade. Ou se tem entretenimento e ação, ou se tem análise e reflexão. Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias, que a Funarte está lançando em vídeo, prova que essas alternativas não precisam ser excludentes. Baseado em fato real, Assalto é um filme eletrizante. E o retrato social do Brasil dos anos 50 e começo dos 60 que ele apresenta nada fica a dever, por exemplo, aos de Rio 40 Graus e Rio Zona Norte", ambos de Nelson Pereira dos Santos. É também o Rio de Janeiro o cenário de Assalto ao Trem Pagador. Grilo (Reginaldo Faria) é a cabeça pensante da quadrilha. Tião Medonho (Eliezer Gomes), o braço armado. Grilo é loiro, olhos azuis e aspira ser um playboy da zona sul. Tião e seus homens são favelados. Quase todos negros. A distinção de raças e de classes se insinua já na distribuição de papéis no interior da quadrilha. Na verdade, toda a dinâmica do filme se estabelece em torno dessas dualidades. O assalto rende muito dinheiro aos ladrões. Mas se o assaltante de olhos azuis pode comprar um carrão e sair com uma loiraça (Helena Ignês) pela noite de Copacabana, os favelados devem gastar com parcimônia. Para não dar na vista. Mesmo assim, acontecem os rachas inevitáveis. Ciúmes, uns acham que receberam mais que os outros, as mulheres interferem, etc. O de sempre. E como gastar com moderação quando se está na linha da pobreza? Se a dieta melhora um pouco, se o camarada compra uma picape de segunda mão, se aparece um rádio ou uma TV no barraco, pode começar o falatório e a intriga da vizinhança. Para as classes populares, parece constatar Farias, nem mesmo o crime seria um meio viável de ascensão social. Por isso, o Grilo pode dizer a Tião Medonho: "Vocês vão passar fome com esse dinheiro no bolso." Esse painel crítico da sociedade brasileira é passado na costura do filme sem nenhum artificialismo. Assalto ao Trem Pagador é, acima de tudo, uma bela narrativa de ação, com fundo social, que trabalha com um roteiro enxuto e uma equipe na ponta dos cascos. Eliser Gomes é uma revelação. Sua composição do personagem Tião Medonho passa veracidade total. Reginaldo Faria, Átila Iório, Fregolente estão afinados, contidos, ambíguos como devem ser seres humanos quando colocados em situação difícil. E Grande Otelo, no papel de Cachaça, o assaltante beberrão, é sublime. Um dos grandes momentos desse ator. É curioso rever esse filme tão atual, embora feito em 1962, ou seja, há quase 40 anos. Curioso porque sua narrativa policial clássica não envelheceu. O que torna mais intrigante é lembrar a má recepção que em sua época teve no meio cinematográfico. O pessoal do Cinema Novo julgava que era seu o monopólio do cinema crítico no País. Por isso, detratou filmes como O Pagador de Promessas e Assalto ao Trem Pagador. A desculpa era que a estética desses filmes seria conservadora. Nada disso. Assalto é apenas um clássico. Como se isso fosse pouco. Assalto ao Trem Pagador. Brasil, 1962. Dir. Roberto Farias, com Eliezer Gomes. Em vídeo pela Funarte (0--2) 2580-3631

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