As viagens místicas de Pharoah Sanders

O bamba do free jazz vem para duas apresentações

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Por Roberto Nascimento
Atualização:

Pharoah Sanders integra a velha guarda do novo jazz. Aos 69 anos, o saxofonista tem produzido pouco, mas seus solos, forjados em uma época explosiva da música improvisada, ainda desequilibram em discos de jazzistas contemporâneos. Pharoah vem ao Brasil este mês para apresentações nos dias 21 e 22, no Sesc Pompeia. Ao seu lado estarão Guilherme Granado e Maurício Takara, expoentes do rock vanguardista local, e o ótimo trompetista Rob Mazurek, do duo jazzístico Chicago Underground. A combinação é interessante, e se cada um seguir a própria linha, teremos uma mescla explosiva de rock experimental com jazz moderno."Não faço ideia do que iremos tocar", conta Pharoah em entrevista ao Estado , por telefone, de sua residência em Los Angeles. "Nós nunca conversamos sobre essas coisas. Se eu tiver vontade de dançar, é o que vou fazer."Pharoah fez escola nos primórdios do free jazz, nos anos 60, época em que regras se desfizeram e improvisos se empilharam em espessas camadas de som. Livres de qualquer estrutura harmônica, músicos embarcavam em grandes voos criativos. O único limite era a duração da fita de registro. "Se você escutar os músicos daquela época, vai perceber que mudaram a música para o desgosto de muitos. Eu tentei. Talvez tenha sido extremo demais, mas não desisto, pois é o único jeito que sei fazer as coisas."Ferrell Sanders, de Little Rock Arkansas, recebeu seu nome exótico na orquestra (Arkestra) de Sun Ra, que o batizou de Pharoah de acordo com a estética egípcia do grupo. Mas seus solos chamaram atenção pela sonoridade ríspida, feita com sopros de alta pressão e uma boa dose de blues, nos discos de John Coltrane. Recuperado de um vício em heroína alguns anos antes, Coltrane despira o seu som de todas as peripécias harmônicas que ajudara a propagar na década anterior. Buscava a divindade através da música. Pharoah tocou no disco Ascension e tornou-se um pupilo. "Quando eu trabalhava com John, ele nunca dizia nada. Se eu resolvesse tocar Parabéns, não havia problema, pois era isso o que eu tinha dentro de mim naquele momento. Ele aceitava as pessoas pelo que elas eram. Ponto. Ele não me contratou porque eu tinha técnica ou isso e aquilo mais. Ele me contratou porque gostava de mim como pessoa. E qualquer som que eu tocasse estava bom para ele."O resultado foi uma vertente espiritualizada das inovações de Ornette Coleman, Albert Ayler, Cecil Taylor e Sun Ra. As improvisações eram longas. Alternavam entre um carnaval endoidecido de solos e meditações carregadas de uma áurea mística semelhante ao gospel. Indicavam uma volta do jazz às raízes do delta blues. "O blues é simplesmente um sentimento. Não há como defini-lo com uma série de notas", explica Pharoah. "Portanto, quando toco, não toco música. Toco o meu eu."Após a morte de Coltrane, em 67, Alice Coltrane, sua mulher, e Pharoah se aprofundaram no jazz rarefeito e espiritual que o saxofonista deixara, trabalhando temas de filosofias orientais em álbuns como Journey in Sachidanada e Karma. O outro grande do free jazz, Albert Ayler, chamou Pharoah de filho na santíssima trindade de saxofonistas da época. (Coltrane era o pai e o próprio Ayler, o espírito santo). Mas Ayler seguiu seu próprio caminho. "Tive a chance de tocar com o legado dele, mas continuei buscando o meu som", disse.DISCOGRAFIAAscensionEstreia de Pharoah no grupo de Coltrane, O disco é considerado uma das obras primas do free jazz. Journey in Sachidanan- daColaboração com Alice Coltrane após a morte de John, As jam sessions dos dois buscam a paz interior.Karma A faixa The Creator Has a Master Plan mostra uma das faces mais suaves da música de Pharoah. O tema é meditativo e ele o canta como mantra.

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