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As mutações de Alfred Hitchcock

Exibição de O Terceiro Tiro serviu de ponto de partida para uma longa análise da produção do diretor inglês, que morreu há 30 anos

Por P.E. SALES GOMES
Atualização:

O desprezo por Hollywood, tão frequente na França, não é manifestado pela crítica cinematográfica mas pelos espíritos que têm por hábito examinar com irônica complacência tudo o que vem da América. Desde os tempos da exaltação poética de Louis Dellue pelos filmes de William Hart não se desmentiu nunca o interesse e a fidelidade da crítica francesa pelo cinema norte-americano.O conteúdo intelectual e moral é quase sempre mais evidente nos filmes franceses do que nos americanos. Na dosagem do espetáculo, os produtores na França não hesitam em incluir elementos que se dirigem diretamente à inteligência dos espectadores, ao passo que os americanos procuram evitar essa explicitação. A crítica francesa reage a isso de modo curioso. Por um lado, irrita-se com as doses de inteligência, necessariamente moderadas porque dirigidas ao grande número, evidenciadas nos filmes de seus compatriotas, e por outro lado tendem a superestimar o conteúdo de pensamento implícito nos filmes americanos. Como este pensamento está cuidadosamente escondido atrás da ação e das emoções, sua apreensão exige um trabalho que imediatamente lhe confere um prestigio de qualidade rara. O entusiasmo da descoberta leva o crítico a querer valorizá-la ao máximo e não raro a elaboração ambiciosas que terminam por adquirir uma realidade própria, sem contacto com a obra que a suscitou. Entretanto, esses exageros não impedem resultados finalmente positivos, e pode-se afirmar que o fervor e a imaginação às vezes delirantes da jovem crítica francesa contribuíram muito para a compreensão em profundidade da obra de um Huston ou um Hitchcock. Faço essas considerações s propósito de Hitchcock e da apresentação recente em São Paulo de The Trouble with Harry (O Terceiro Tiro).Num prefácio, escrito em 1941, para uma antologia de novelas policiais, Hitchcock procura definir as características do gênero. A principal, segundo ele, seria a insistência sobre o normal. É sem surpresa que o público espera os horrores cometidos pelo monstro do dr. Frankenstein, ao passo que tem outra sutileza as emoções provocadas pelos crimes de uma personagem respeitável e insignificante. Esta procura de uma atmosfera de tranquila normalidade cuja função é dar relevo à anormalidade, ao crime, é uma receita segura para toda uma série de novelas policiais e suas decorrentes cinematográficas, entre as quais se contam muitas fitas do próprio Hitchcock.

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