As Américas em atraente concerto da Camerata Aberta

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Por João Marcos Coelho
Atualização:

Cerca de 100 pessoas assistiram ao primeiro concerto da temporada 2011 da Camerata Aberta no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação. E esse é um sinal fortíssimo de que existe sim público para a música viva, já que todos tiveram de enfrentar um trânsito caótico e muita chuva para chegar ao local. Cinco peças compuseram o concerto mais atraente e acessível da Camerata Aberta desde sua fundação. A ótima Cadernos de Berlim 3, do brasileiro Marcos Mesquita, flerta deliciosamente com a música popular. O trompete, por exemplo, baila numa toada abertamente popular, enquanto clarineta, trombone, violino e contrabaixo tratam de encorpar o tecido musical. Estamos, portanto, longe, bem longe - felizmente - da banal rarefação do popular operada por nomes como Golijov. Eleven Echoes of Autumn, de George Crumb, é um refinadíssimo exercício de harmônicos, ressonâncias, reverberações e vibrações por simpatia de quatro concisos instrumentos (violino, flauta, clarineta e piano). Peça-chave dos cânones contemporâneos. Tutti, de Felipe Lara, o outro brasileiro da noite, instaura um fluxo instrumental constante, em que todos os participantes - flauta/piccolo, clarineta/clarone, violino, violoncelo, percussão e piano - se interpenetram seja do ponto de vista do timbre, seja da textura. Obra surpreendente de um enorme talento que começa a destacar-se significativamente na cena contemporânea internacional. Na segunda parte, Colisión y Momento, obra do argentino Alejando Viñao, empalideceu diante de Son of Chamber Symphony, do norte-americano John Adams. Aqui o regente convidado Ricardo Bologna, sempre firme e claro, teve seu melhor momento, comandando uma obra complexa do ponto de vista rítmico, que exige gingado popular e exibe grande sofisticação de escrita. Criada para a companhia de dança de Mark Morris, em 2008, é um notável exemplo de como é possível misturar códigos do passado e do presente, em vaivéns múltiplos entre erudito/popular e passado/presente da música erudita sem descambar para a banalidade pura e simples, ou então para o clichê. No início, disse que esse foi o concerto mais atraente e acessível da Camerata. Não é coincidência que tenha sido dedicado a obras das Américas. Por aqui, é impossível ignorar a força incontornável - diriam os franceses - das sonoridades das músicas populares. Isso não quer dizer, porém, que se deva rebaixar a qualidade. Marcos Mesquita e John Adams, principalmente, mostraram que esse pode ser um caminho fértil (aliás, e mesmo que os radicais de vanguarda torçam seus empinados narizes, essa trilha foi aberta por Villa-Lobos, é indispensável lembrar). O importante é que o velho ditado cabe bem neste difícil momento que vive a Camerata: vão-se os anéis, ao menos ficam os dedos. Apesar da redução forçada do número de concertos - e consequentemente da remuneração -, seus 15 músicos deram, anteontem, no Teatro Anchieta, uma clara demonstração de que continuam empenhadíssimos em fazer circular as múltiplas faces da criação contemporânea nas veias em geral entupidas da vida musical paulistana. Uma ação cultural que custa tão pouco que chega a ser vergonhoso reduzir o seu orçamento em 2011.

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