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Artistas relembram o Teatro Bela Vista

Por Agencia Estado
Atualização:

Talvez nenhum outro espaço teatral da cidade reflita em suas fundações a história do teatro brasileiro como o Sérgio Cardoso. Uma história feita de muito talento, garra, precariedade de recursos financeiros, pouquíssimo tino administrativo e quase nenhum apoio público. Este último, quando existiu, muitas vezes agiu de forma equivocada. A convite da reportagem, as atrizes Berta Zemel e Nydia Licia e o diretor Gianni Ratto relembraram momentos dessa história, acomodados na platéia do Sérgio Cardoso, sob os ruídos e a iluminação dos soldadores que preparavam o cenário para a estréia de Rei Lear. Berta foi a primeira a chegar. Para o encontro, a atriz trouxe algumas fotos e o programa do espetáculo Hamlet em que fazia o papel de Ofélia, sob direção de Sérgio Cardoso. A peça estreou em 1956, inaugurando o Teatro Bela Vista, onde hoje funciona o Sérgio Cardoso. Nessa montagem, Berta fez sua estréia profissional. "Dei muita sorte", diz ela, mostrando a foto tirada em 1956 no palco do Bela Vista, num intervalo de Hamlet. A atriz aparece ao lado de Sérgio Cardoso e Nydia Licia. "Eu era uma aluna recém-formada pela Escola de Arte Dramática e comecei a minha carreira com um dos mais talentosos atores brasileiros, um diretor muito exigente, implacável. Aprendi muito com ele." Chega Nydia Licia. Folheando o programa da peça, lembra como ela e Sérgio Cardoso - com quem se casou quando ambos integravam o elenco do Teatro Brasileiro de Comédia - "descobriram" a futura sede da recém-fundada companhia teatral Nydia Licia e Sérgio Cardoso. "Estávamos vindo do ensaio no Teatro Leopoldo Fróes, andando a pé a caminho de nossa casa, na Rua Major Diogo, quando reparamos pela primeira vez naquela imensa construção coberta por tapumes, o antigo Cine-Teatro Espéria. No dia seguinte Sérgio foi à prefeitura descobrir a quem pertencia." A construção feita de aço, uma estrutura pré-fabricada importada da Alemanha, havia sido vendida por Baby Pignatari para três médicos, que aceitaram fazer um contrato de locação com a companhia por dez anos, renováveis por mais cinco. "Eles pareciam estar dando graças a Deus de terem arrumado uns trouxas para alugar aquilo. Alugamos sem um tostão no bolso e aí começou a luta para arrecadar dinheiro", lembra Nydia. O contrato foi feito em 1954, mesmo ano em que chegava ao Brasil o italiano Gianni Ratto, para trabalhar no Teatro Brasileiro de Comédia. No Teatro Sérgio Cardoso, Gianni é o último a chegar, reclamando muito do trânsito. A conversa volta ao Cine Espéria. A companhia passou dois anos recolhendo donativos de pessoas da sociedade paulistana até que o Teatro Bela Vista ficasse pronto. "Era um teatro muito bom, com uma acústica perfeita", diz Nydia Licia, opinião partilhada por todos que conheceram o teatro naqueles tempos em que a vida cultural estava concentrada no bairro boêmio da cidade. "Morávamos aqui, freqüentávamos bares e restaurantes próximos, o bochicho era todo no Bixiga." O talento de Sérgio Cardoso é tema de boa parte da conversa. "É um fenômeno único na história do teatro brasileiro e talvez do mundo. Ele era um ator genial, um diretor talentoso, mas seu humor oscilava terrivelmente, pois, a um só tempo administrava a construção do teatro e a direção de Hamlet. Sérgio quase enlouqueceu", conta Nydia. Gianni Ratto concorda com a singularidade da carreira do ator. "Ele começou brilhando no papel de Hamlet e sua fama nunca decaiu. Mais tarde, ele foi para a televisão, fez sucesso lá também. Eu queria dirigi-lo em Noite de Reis, tinha o já convencido a voltar ao teatro com essa peça, mas ele morreu antes." A montagem de Hamlet abriu as portas do Teatro Bela Vista, considerado um dos melhores da cidade à época. Com a separação de Nydia e Cardoso começaram os problemas. O endereço estava valorizado. Os proprietários apresentaram um documento, assinado pelo ator, em que ele cedia os seus direitos de locação à empresa. O papel teria sido assinado em branco. "Tínhamos que administrar muitas coisas ao mesmo tempo e era comum assinarmos papel em branco", diz Nydia. Seguiu-se uma longa briga na justiça, vencida pela atriz. Mas depois dos 15 anos previstos de locação, os proprietários estavam decididos a transformar o espaço num supermercado. O governo do Estado evitou o desastre comprando o teatro. A década de 70, marcada pelas obras faraônicas, se refletiu no Bela Vista. No lugar de aproveitar-se a estrutura já existente, gastou-se uma quantia considerada excessiva pelo Tribunal de Contas de São Paulo à época para construir uma nova estrutura, sobre o antigo teatro demolido. Uma obra que se arrastaria por nove anos, cheia de falhas, a partir do projeto inicial, equivocadamente desenhado para um terreno plano, impossível de ser realizado. Somando-se equívocos e acertos, a cidade ganhou um novo teatro em 1980, com duas salas de espetáculo, salas de ensaio, palco moderno e bem equipado. Na noite de inauguração, Nydia Licia, Emilio di Biasi, Rubens de Falco e Umberto Magnani, sob direção de Gianni Ratto, homegearam seu fundador com a apresentação do espetáculo Sérgio Cardoso em "Prosa e Verso".

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