Artista lituano expõe em SP

MK Kähne mostra na Galeria Brito Cimino sua arte irônica e repleta de referências, que inspira uma visão melancólica da sociedade de consumo

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Por Agencia Estado
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A obra de MK Kähne, artista lituano que a Galeria Brito Cimino apresenta ao público brasileiro a partir de amanhã, é bastante intrigante. Com uma elegância e um acabamento surpreendentes, seus objetos acumulam um sem-número de referências, sem que em nenhum momento percam seu aspecto de síntese, de provocação silenciosa, que acaba nos levando a uma visão melancólica dessa nossa sociedade de consumo. A execução das peças é extremamente cuidadosa. Fechadas, elas remetem às embalagens de instrumentos musicais, parecem grandes caixas de piano ou aqueles enormes baús que serviam de mala nas longas viagens de navio. Mas, abertas, revelam-se um tanto quanto surreais. Usando elementos da história da arte e do design, fazendo remissões a Duchamp - com sua maleta-banheiro, recheada de mictórios, pia, e até copos para auxiliar na escovação dos dentes - ou à arte funerária (uma de suas obras se assemelha a um estranho caixão, mas que permite que a pessoa transportada nele em posição quase fetal respire sem problemas) - ele se reapropria do desejo burguês de assepsia e controle total sobre seu entorno. Um homem de negócios que se preze não pode deixar de lado seus utensílios de barba, um cabide para que o terno não amasse, seu uísque preferido, copos, gravata, roupas de baixo, etc. Absolutamente surreais, as malas que MK Kähne cria são recheadas de objetos de uso pessoal e de distinção social. Com elas é possível ir a qualquer lugar, protegido fisicamente e espiritualmente, mas em meio a uma profunda solidão. Essa sensação de isolamento é reforçada pela pureza dos materiais usados e pela ausência da figura humana. Ela só surge nas fotografias, de maneira distante e apenas mostra que essas engenhocas transportáveis são objetos que ainda preservam sua função de uso, caso alguém cometa a loucura de transportar, por exemplo, uma mala de quase dois metros de largura que comporta um bar completo, com duas elegantes banquetas em couro vermelho. Ou a obra O Homem Moderno, uma maleta que, desmontada, se transforma num verdadeiro home theatre, com um sofá confortável e todos os equipamentos mais modernos de comunicação (telefone, televisão, CD-ROM...), todos em perfeito funcionamento. Além da questão do deslocamento, da assepsia e do estranhamento que suas obras provocam, Kähne utiliza outro recurso para reforçar a sensação de solidão e abandono que elas transmitem ao espectador. Dentro das malas, as peças funcionam como ilhas, protegidas (ou isoladas) por confortáveis e belas proteções feitas do mais sofisticado material. As cores são clássicas, o uísque é da melhor qualidade, o sapato chega a brilhar de tão engraxado. Mas não há espaço para a vida humana. No fundo, ele expõe a completa inutilidade de objetos utilitários. Como resume o crítico espanhol Fernando Martín Galán no catálogo da mostra, ele "põe em cena o agradável e refinado desenho artístico de algo que supostamente responde às necessidades primárias do ser humano, mas não serve para nada, salvo para ironizar sobre determinados absurdos da vida contemporânea". Essa capacidade de Kähne de dialogar com a história da arte do último século, acrescentando uma dimensão absolutamente pessoal, foi o que encantou os galeristas Luciana Brito e Fábio Cimino, que dizem acompanhá-lo em feiras e eventos internacionais há cerca de cinco anos. Segundo ela, o artista encaixa-se perfeitamente no espírito que os dois querem impor ao trabalho da galeria, associando de maneira bastante particular elementos de várias áreas da produção artística, como o design, a escultura, a fotografia e o vídeo. "Também achamos que não adianta trazer artistas totalmente consagrados. Preferimos trazer pesquisas de novas linguagens, algo que possa interessar aos estudantes e aos jovens artistas", afirma Luciana. A exposição marca o início de um intercâmbio com a galeria Fine Art, em Berlim. Em contrapartida à vinda de Kähne - que nasceu em Vilna, na Lituânia, mas foi educado em Moscou e em Berlim, onde desenvolveu sua carreira -, o galerista Rafael Vostell escolheu a obra de Ana Maria Tavares para ocupar um novo espaço expositivo, que estará inaugurando em setembro. Assim como Kähne, Ana Tavares trabalha com a idéia de deslocamento, já tendo explorado de maneira conceitual elementos de design e mobiliário que remetem à idéia de transporte. Outra coincidência entre os dois é uma certa atração por materiais sofisticados, sedutores e assépticos como o espelho, o metal polido e o couro. MK Kähne. De terça a sábado, das 11 às 19 horas. Galeria Brito Cimino. Rua Gomes de Carvalho, 842, tel. 3842-0634. Até 23/6. Abertura, amanhã (21), às 20 horas.

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