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Arte no grito

Crítico inglês Will Gompertz tenta explicar em livro como um objeto banal pode virar um ícone de museu

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

O subtítulo do livro Isso é Arte?, do crítico inglês Will Gompertz, nas livrarias a partir de 1º de agosto, é A História da Arte Moderna do Impressionismo até Hoje. Poderia ser outro, considerando que seu livro elege como ponto de partida não os impressionistas, mas o dadaísta francês Marcel Duchamp (1887-1968). Sua obra Fonte, urinol que ele comprou em 1917, numa loja de ferragens da Quinta Avenida, em Nova York, é o verdadeiro marco zero do livro. Eleito pelo próprio Duchamp como obra de arte, o mictório, que ele assinou com o pseudônimo de R. Mutt - peça considerada “ofensiva” pelos críticos da época -, transformou-se no maior ícone da modernidade, abrindo uma porta para o tubarão mumificado de Damien Hirst e a cama desarrumada de Tracey Emin, hoje expostos em museus com o mesmo escândalo e êxito.

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O mictório de Duchamp, o tubarão de Hirst e a cama de Emin têm muito em comum, segundo Gompertz, ex-diretor de Comunicação da Tate Gallery e atualmente editor de artes da BBC, convidado especial da Bienal do Livro no Rio, onde faz uma palestra dia 1º de setembro. Sobre essa ligação entre artistas mortos e outros vivíssimos - ganhando muito dinheiro com tubarões em tanques de formol e camas cheirando a sexo - Gompertz falou ao Caderno 2, por telefone, da Áustria, onde passa férias com a mulher Kate e os quatro filhos. Aliás, sem o empurrão da mulher, é quase certo que o livro Isso é Arte? não existiria.

Gompertz, que hoje escreve sobre arte em jornais respeitados como o Guardian, não era do tipo que frequentava museus e galerias quando jovem. Ele só começou a se interessar pelo assunto aos 24 anos, ainda assim para impressionar a namorada (hoje sua esposa). Numa viagem a Amsterdã, ela praticamente o intimou a visitar o museu Stedelijk. Gompertz foi, mesmo contrariado. Teve uma revelação mística diante de uma tela pintada em 1963 pelo expressionista abstrato holandês Willem de Kooning. Evocação dos passeios de bicicleta de De Kooning por Louse Point, a paisagem abstrata, pintada de memória logo que o artista chegou em Long Island, seduziu Gompertz de imediato com sua sugestão de uma natureza pastoral, harmoniosa. Então isso é arte?, perguntou o jovem Will.

Hoje ele tenta responder a mesma pergunta que muitos fazem diante de obras contemporâneas que julgam simples fraudes, como o tubarão de Damien Hirst que ilustra esta página. A obra, de 1991, chama-se Impossibilidade Física da Morte na Mente de Alguém Vivo. É a segunda mais cara já vendida de um artista contemporâneo (a primeira é uma pintura do norte-americano Jasper Johns) e garantiu parte da fortuna do artista, hoje avaliada em US$ 364 milhões. Gompertz até inventou um termo para definir a arte de Damien Hirst e outros de sua geração, entre eles Murakami e Jeff Koons, também analisados no livro: “entrepeneurialism”. Ou seja, são todos empresários que se deram bem fazendo objetos que impõem como arte. No grito.

O livro começa pelos impressionistas, que, por outros meios, tiveram de lutar para impor sua pintura aos críticos da época, passa pelos expressionistas, que chocaram o público pela crueza, os dadaístas, que provocaram pelo nonsense (como Duchamp), os performáticos, que fizeram de seus corpos obras de arte, e chega aos artistas contemporâneos, entre os quais o dissidente chinês Ai Weiwei, perseguido pelo regime de seu país, e o artista de rua Banksy. Naturalmente, há uma divisão clara entre a vanguarda impressionista e o charlatanismo vigente nos dias que correm, mas Gompertz evita julgamentos. Encara com bom humor a evolução da arte moderna e até encarta no livro um mapa (baseado no modelo do metrô londrino) para indicar as várias estações, linhas e ramificações das vanguardas artísticas, de 1870 até hoje.

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