PUBLICIDADE

Arte de Eckhout reencontra suas origens

Mostra no Recife exibe pela primeira vez fora da Dinamarca as 24 telas em que o pintor holandês retratou a natureza e os habitantes do Brasil no século 17

Por Agencia Estado
Atualização:

Ter uma tela de Albert Eckhout sendo exibida em território brasileiro, como já ocorreu em cinco ocasiões desde 1968, é sempre motivo de comemoração. Ter as 24 telas existentes do artista reunidas numa mostra que terá seu ponto de partida no Recife - cidade onde o artista desembarcou em 1637 como pintor da corte de Maurício de Nassau -, mas que seguirá posteriormente para Brasília e São Paulo, é um fato inédito, único, e que promete encantar leigos e especialistas. Isso por vários motivos. Além da qualidade artística desses trabalhos, eles são de vital importância histórica, estando entre os primeiros e mais belos retratos da natureza e dos habitantes do Novo Mundo. Além do mais, esta é a primeira vez que o Museu Nacional da Dinamarca - proprietário das obras - empresta simultaneamente todas as pinturas conhecidas de Eckhout. Além disso, as telas também inauguram um novo espaço de cultura no Recife (o majestoso Instituto Ricardo Brennand, no bairro da Várzea) e servem de tema para um importante simpósio internacional, que reunirá estudiosos nacionais e internacionais para discutir uma série de questões relativas ao misterioso pintor. Pouco se sabe sobre Eckhout, além do fato de ter vivido no Brasil por oito anos, até os holandeses serem expulsos pela coroa portuguesa e que viveu cerca de 56 anos, tendo nascido em cerca de 1610 e morrido em 1666, na mesma cidade de Groningen. As pinturas relativas ao Brasil são sua grande obra. Além das detalhadas naturezas-mortas - retratadas num primeiro plano sob o céu movimentado e enevoado da capital pernambucana -, nas quais se vê um atencioso estudo científico e artístico de frutos exóticos como o côco, a pitanga ou o mamão, Eckhout também realizou um interessante estudo dos tipos locais, registrando em magníficos retratos exemplares dos habitantes que povoavam estas terras no século 17. São oito retratos com interessantes paisagens ao fundo e outros elementos da natureza que mostram, nas versões masculina e feminina (com direito a crianças acompanhando suas mães), o negro, o mestiço e o índio - em duas versões, o já parcialmente civilizado Tupinambá e o bravo e canibal tapuia, ou tarairiu - termo usado genericamente para definir os índios não tupis e que foram extintos -, que se aliaram aos holandeses na luta contra os portugueses. Eram considerados selvagens, contrapondo-se aos tupis, povo mais dócil. Esse contraste entre as duas tribos indígenas fica evidente nos retratos de Eckhout. Há também, na exposição, a gigantesca pintura que retrata a Dança dos Tapuias, que tanto sucesso fez na 25.ª Bienal de São Paulo, e retratos que mostram os negros, escravizados barbaramente nessas terras selvagens e exóticas, retratados de maneira absolutamente digna, sejam eles servos ou diplomatas importantes, como é possível no impressionante Retrato do Embaixador do Congo. Uma das características mais interessantes da obra de Eckhout é sua capacidade de registrar a realidade do Novo Mundo sem deturpá-la com preconceitos e deturpações europeizantes. Para conseguir realizar essa exposição - que exigiu uma complexíssima operação de diplomacia, financeira e operacional - foram necessários oito anos de trabalho, dirigidos pelo publicitário Jens Olensen. Para se ter uma idéia do tamanho da empreitada, o imperador d. Pedro II tentou por duas vezes trazer essas obras ao País. Conseguiu apenas autorização para reproduzir, em tamanho menor, algumas telas, hoje guardadas no Museu Nacional de Belas Artes. Dinamarquês radicado no País há quase um quarto de século, Olensen, que é fascinado por Eckhout desde a infância, quando viu pela primeira vez o retrato da índia canibal de cujo cesto pende uma perna humana, e tem em seu escritório uma obra na qual é retratado pelo pintor pernambucano João Câmara como um extemporâneo personagem de Eckhout, realizou mais de 40 viagens ao seu país natal para conseguir atingir seu objetivo e afirma que só foi possível montar essa operação por causa desse fascinante reencontro entre as telas de Eckhout e o lugar em que foram engendradas, pois o risco de transportá-las todas ao mesmo tempo, para o mesmo lugar, era alto demais. Alguns podem perguntar o que há de comum entre Eckhout e a Dinamarca, já que o pintor era holandês - tendo desembarcado no País com Maurício de Nassau e Frans Post. É que as 26 telas (duas das quais foram destruídas em um incêndio) foram doadas por Nassau ao rei Frederico III. Consta que, ao fim da vida, o monarca holandês chegou a requisitar o presente de volta, mas sem sucesso. Desde então, essas telas nunca deixaram por completo a Dinamarca, apesar do enorme sucesso das telas de Eckhout, principalmente nas últimas décadas. Para se ter uma idéia da importância de seu trabalho para a investigação do olhar europeu sobre o Novo Mundo, basta mencionar que o museu dinamarquês recebe por ano de 20 a 40 pedidos de empréstimo. A exposição, patrocinada pelo Banco Real e que ficará por quase sete meses em território nacional (estreando em 3 de dezembro em Brasília e em 13 de janeiro em São Paulo), na Pinacoteca do Estado, tem duas características interessantes, que merecem ser destacadas. Em primeiro lugar, ela terá longa duração, ao menos no Recife. Em segundo lugar, ela será gratuita em suas três itinerâncias. "Trata-se de um evento para o povo brasileiro e não para as elites", afirma Olensen, que calcula que o público total do evento será de cerca de 1,2 milhão de pessoas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.