Arquiteto assume Secretaria de Cultura de SP com desejo de ajudar a civilizar os megaeventos

Um dos mais destacados arquitetos do País, Nabil Bonduki assume secretaria em São Paulo no lugar de Juca Ferreira, que foi para o ministério da Cultura

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Por Jotabê Medeiros
Atualização:

O arquiteto Nabil Bonduki, de 59 anos, um dos mais ativos urbanistas de São Paulo, assume esta semana a Secretaria de Cultura do município com a ambição de qualificar a ocupação artística dos espaços públicos. Sua meta é fazer com que as pessoas possam “reconhecer a vivacidade” de certas vocações culturais já presentes na cidade (e que pretende realçar). Também acentua a necessidade de se pensar uma nova cultura urbana, na qual se respeitem os princípios de civilidade. 

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Em sua primeira entrevista já como sucessor de Juca Ferreira na secretaria, ele evitou polemizar com o colega Gabriel Chalita, novo secretário de Educação (“Não será o mesmo que foi no governo Alckmin. A História anda, as pessoas mudam”). Anunciou que pode reduzir o número de palcos da Virada Cultural já este ano e que apoia a noção de diversidade do megaevento, que reúne anualmente 4 milhões de pessoas no centro de São Paulo.

“Você pode ter um rap de qualidade, um funk de qualidade, assim como pode ter uma música clássica de má qualidade, mal tocada. Não se pode valorar pelo gênero”, ponderou.

Nabil Bonduki Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

Segundo o secretário, Alfredo Manevy foi convidado para assumir a SP Cine, nova empresa de cinema da cidade. “É uma decisão dele. É desejo meu e do prefeito que ele continue”, disse.

Você tem dois anos pela frente como secretário. O que será prioridade?

Vou dar continuidade a muito do que vem sendo feito, e fazer com que se o que vinha sendo feito se concretize. Fazer o que foi planejado, e que eu acompanhei muito, porque eu fui e ainda sou presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Cultura. Tem muita coisa a ser consolidada. Por exemplo: a SP Cine. É uma empresa de apoio à produção, fomento e exibição de cinema que visa fazer com que São Paulo se transforme num centro de exibição importante no Brasil e no mundo. Acho que estamos muito atrasados em relação a outros centros, inclusive da América Latina, como Buenos Aires. Implantaremos a cadeia de cinemas do município, um circuito de exibição que inclui os cinemas do centro, os CEUs, as casas de cultura, cinemas que foram desapropriados. Esse circuito é equivalente aos comerciais, uma cadeia equivalente, só que enquanto essas passam só filmes de Hollywood, a nossa passará um conjunto muito diversificado de produções. A gente tem condição de levar para o cinema, aqui em SP, gente que nunca foi a uma sala de cinema. É uma prioridade importante.

E em maio você já tem pela frente a sua primeira Virada Cultural. Qual é a sua proposta para incrementá-la?

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A questão não é incrementar, porque ela já é muito grande. Há um problema para enfrentar, que é o de como garantir a segurança. É a grande questão hoje. Sem dúvida, a Virada Cultural foi um primeiro momento de apropriação do espaço público da cidade. Foi muito importante há 10 anos. Mas hoje nós temos um desafio que é fazer com que isso não seja simplesmente um fim de semana no ano, mas que possa ser espraiado, tanto em termos de espaço como de tempo. Que não seja só no Centro Histórico e só num fim de semana. A cidade tem muitos subcentros que são importantes: Pinheiros, Lapa, Penha, Pirituba, M’Boi Mirim. Muitos lugares que podem comportar um tipo de atividade cultural. Temos que fazer algumas adaptações na Virada para impedir que certos problemas que aconteceram não se repitam. Temos que garantir a madrugada, que é um momento mais delicado da Virada, em que algumas pessoas cometem exageros de álcool, de drogas e se tornam violentas. Que, na verdade, não é uma violência da Virada, mas uma violência da cidade. Mas como está acontecendo num espaço aberto, público, com shows, espectadores, isso pode certamente ser potencializado. Há já, pelo que tenho acompanhado, uma certa tendência de reduzir o número de palcos para aumentar a segurança.

Você costuma ir à Virada como espectador?

Sim, sempre fui. Desde a primeira. A primeira, segunda e terceira foram uma grande festa. Muita gente que não costumava vir ao Centro veio. Foi uma apropriação da cidade. Depois, foi virando rotina e crescendo. Mais pessoas vieram e ficou mais famosa, disputada.

O cardápio cultural eclético é uma marca da Virada. Mas tem gente que acha que é preciso haver um filtro, que pensa que não pode haver funk, música sertaneja. O que você pensa?

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Acho que o que caracteriza a Virada é um pouco essa diversidade, que agrega pessoas com interesses diferentes. Ela pode, inclusive, permitir uma apropriação, vamos chamar assim, de certas manifestações culturais que certas pessoas nunca presenciaram. Pelos seus gostos. Pode se constituir numa experiência, alguém que nunca viu um funk ter oportunidade de ver, e o contrário, alguém que nunca viu um conjunto de música de câmara poder ver. Me parece que pode ser uma troca importante. Eu acho que tudo tem que ter qualidade. Todos os fóruns de manifestação cultural têm que ter qualidade. Você pode ter um rap de qualidade, assim como pode ter uma música clássica de má qualidade, mal tocada. Não pode valorar pelo estilo, pelo gênero, mas tem que buscar uma curadoria que garanta essa diversidade, e também a qualidade. E que tenha também grupos em momentos diferentes. Grupos mais jovens, que estão começando, mas que tenham potencial. Claro que não irão se comparar com o artista consagrado, que também deverá estar lá. Mas essa combinação é rica, e pode ser compatibilizada.

A secretaria tem estimulado o crescimento do Carnaval de Rua em São Paulo, era uma política do Juca.

Eu acompanhei muito o crescimento do Carnaval de rua no Rio de Janeiro, e eu vi, como muitos outros paulistas, fomos porque curtíamos. Era um carnaval que tinha a dimensão do que há hoje em São Paulo. Há 8 anos, eu saía num bloco em Pinheiros, o Vai Quem Quer, que de repente virou um enorme bloco. No primeiro ano da gestão Haddad, o Carnaval de rua acabou virando um enorme problema para a cidade. A organização que o Juca propôs ajuda a fazer funcionar melhor. Há bairros que concentram demais, como a Vila Madalena. É preciso evitar que blocos muito grandes não fiquem em bairros que não têm estrutura para comportar, e garantir banheiros químicos, proteção do percurso. Não podemos deixar que essa manifestação, que é importante, acabe gerando um transtorno para a cidade. A gente precisa pensar uma nova cultura urbana, de comportamento, em que o uso do espaço público é importante, mas tem que respeitar um princípio de civilidade. Comportamentos adequados do ponto de vista dos horários, dos resíduos, para não perturbar o momento de descanso do cidadão.

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Quais são os outros projetos importantes em andamento?

A recuperação de espaços patrimoniais importantes da cidade, como a Vila Itororó. Está menos avançado do que eu gostaria que tivesse, ainda estão sendo elaborados os projetos executivos, para começar a captação de recursos. Tem um orçamento preliminar, de R$ 51 milhões, e não dá para fazer um projeto de restauro numa área ampla sem projeto executivo. Vou priorizar muito isso, para entregar ainda no governo Haddad. Como são várias casas, vamos inaugurar parcialmente cada trecho conforme for ficando pronto, e fazer da própria obra um elemento de atração, especialmente o casarão principal. Também há o projeto da Chácara do Jóquei, cujas cocheiras serão transformadas em residências artísticas e áreas de formação de agentes culturais. Como técnicos, cenógrafos, iluminadores. Também há o Centro Cultural de Cidade Tiradentes, um prédio novo. Também pretendo trabalhar na implementação de duas propostas do Plano Diretor. A primeira é a criação de Áreas de Proteção Cultural, que pode apoiar imóveis culturais que não tenham valor como patrimônio histórico, mas que são importantes para a cidade, como o Teatro Brincante. E os Territórios de Interesse da Cultura e da Paisagem, que possuem grande sinergia cultural. O primeiro grande território já definido é o corredor que abrange a Paulista, a Luz e o Centro.

Como você viu as críticas da Marta ao Juca Ferreira, seu antecessor. Há uma tensão, uma ruptura que respinga na cultura?

Eu não vejo nenhum problema com relação a isso. A administração da Marta foi importante para a cidade. Muito do que falamos aqui teve origem nas ações da gestão dela, que começaram na administração dela. Eu acho que a questão da Marta é de natureza fundamentalmente política. Ela talvez tenha usado o Juca como um mote para expressar uma divergência. Mas isso não tem nenhuma relação aqui com a secretaria, minha relação com ela é boa. 

Muita gente acha que o que ela expressa é também o sentimento de militantes do seu partido quando veem certas alianças. Você se sente à vontade no governo, é um caminho natural de composição.

No atual quadro da política no Brasil, difícil não haver essas composições. Mesmo dentro do PT, temos várias correntes. Numa sociedade plural como a brasileira, é meio inevitável que isso aconteça. Agora, o que eu acho importante, eu ficaria desconfortável se práticas que não correspondem aos meus princípios acontecessem. Mas o prefeito Haddad tem mostrado uma postura muito firme, tem muito rigor em relação às questões éticas. Hoje, não tem governo no brasil que não tenha composição. Eu defendo uma reforma politica para que tenhamos partidos mais coerentes, mais ideológicos. Espero que, apesar dessas composições, os programas que foram votados pela população sejam concretizados. O Haddad tem sofrido muita oposição por cumprir o prometido, a mudança na lógica de mobilidade urbana.

Mas não você não acha contraditório que um partido que teve o Paulo Freire como secretário de Educação hoje tenha o Gabriel Chalita?

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Infelizmente, a gente não tem dois Paulos Freires. Mas eu acho que o prefeito, que foi ministro da Educação e admirador do Paulo Freire, vai ter papel importante na condução da Educação sob o comando do Chalita. Eu acho que a Educação da cidade de São Paulo, sob o Chalita, não será a mesma que foi a Educação do Estado de São Paulo sob o mesmo Chalita, no governo Alckmin. E a História anda, as pessoas mudam. Se ele aceitou participar de uma administração de Fernando Haddad, que foi ministro da Educação, vai seguir a orientação que o prefeito está dando para a área. A contribuição dele pode ser importante, ele tem experiência. A diversidade é um dado da política. Nós estamos na democracia, não dá para impor.

Quer dizer que composições com opostos como Kátia Abreu e Juca Ferreira e Nabil Bonduki são inevitáveis na política atual?

O governo Erundina foi mais puro-sangue. Eu participei. Foi bom, foi importante, mas tivemos pouca coisa consolidada porque não conseguimos aprovar projetos importantes para a cidade, não tínhamos maioria na Câmara. Teve ganhos, mas também grandes dificuldades. É a realidade da política no País. Hoje, na Câmara de São Paulo, são uns 15 partidos.

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