Após um ano de 'Na Quarentena', como está a rotina dos entrevistados?

Ao longo deste ano pandêmico, muitas pessoas foram entrevistadas sobre como, de alguma forma, tiveram a vida revolucionada pela covid. Agora, alguns daqueles personagens contam o que aconteceu em suas vidas

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Por Gilberto Amendola
5 min de leitura

Quando saiu a primeira edição do caderno Na Quarentena, em 24 de março de 2020, a expectativa era de que a pandemia passasse logo e a rotina se restabelecesse em alguns meses. Não foi o que aconteceu. Como já é sabido, a pandemia não só não terminou como se agravou no Brasil.

Escritor Felipe Franco Munhoz em estúdio gravando suas composições Foto: André Mehmari

Ao longo deste ano pandêmico, muitas pessoas foram entrevistadas sobre como, de alguma forma, tiveram a vida revolucionada pela covid. Agora, alguns daqueles personagens foram novamente contatados para saber como passaram este um ano. O que aconteceu? O que mudou? Quem já se vacinou? Quando entrevistado em julho do ano passado, o escritor Felipe Franco Munhoz e a família estavam completamente isolados em casa, sem contato nem sequer com entregadores de delivery, por 140 dias. Esse período, sem ao menos uma escapadinha para ir ao supermercado ou farmácia, se estendeu por 313 dias. Mas, no último dia 22 de janeiro, Felipe pôs os pés para fora de casa. Não foi por um motivo qualquer, mas para a realização de um projeto que vinha alimentando desde a adolescência: gravar as próprias composições. A gravação da voz foi no estúdio do pianista André Mehmari, na Serra da Cantareira. “Na ocasião, achei que era o caso de encarar – com todos os cuidados e medidas de distanciamento. Agora, eu e minha família voltamos ao isolamento total. Ao mesmo esquema que existia antes”, contou. Em breve, as gravações de Munhoz devem estar disponíveis ao público. Nosso outro personagem está longe, bem longe, e quando conversamos pela primeira vez, ele falava sobre a inveja que sua vida confortável, em plena pandemia, causava em algumas pessoas. O publicitário Leonardo Nicolia, de 41, está vivendo desde março de 2020 em uma praia de Santa Teresa, na Costa Rica. Ele, literalmente, ficou preso na cidade – quando as fronteiras daquele país se fecharam como consequência da covid. Na nossa primeira conversa, Nicolia estava satisfeito com o seu destino: “Eu fiquei preso no paraíso. Surfo todo dia, toco violão, montei uma banda, faço ioga, perdi 5 quilos. Tenho trabalhado daqui. Não pretendo voltar para o Brasil tão cedo. Decidi aceitar esse presente da vida”. Nicolia não voltou mesmo e continua em Santa Teresa, na Costa Rica. “A vida aqui mudou meu ângulo de visão. Fiz uma transição profissional. Adaptei, deleguei, toco meus negócios daqui. Não quero mais voltar, não quero morar em São Paulo outra vez. Na hora de apertar o botão para comprar passagens para voltar, alguma coisa me faz desistir. Estou próximo da natureza e não quero voltar atrás”, revelou. Do Palacete dos Artistas, imóvel de um programa de Locação Social da Secretaria Municipal da Habitação (Sehab), em que os moradores são, prioritariamente, idosos que exerceram (e ainda exercem) carreira artística, encontramos a atriz Valéria Del Pietro, de 70 anos, e o cantor Raimundo José, de 77 anos. Na nossa primeira visita, ainda não existia vacina e a dupla evitava sair de seus apartamentos. Ao mesmo tempo, apesar do isolamento, faziam planos para o futuro. Valéria, que foi diretora e coordenadora de projetos de teatro na Febem, na qual dirigiu Num Lugar de La Mancha – Amores e Aventuras de Dom Quixote, baseado no clássico Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, estava amadurecendo a ideia de um projeto sobre textos de Simone de Beauvoir. Ao voltar ao Palacete, a primeira boa notícia. Val já tomou a primeira dose da vacina contra a covid (por atuar em um projeto de atendimento para idosos). Já o projeto teatral mudou um pouco. “Até agora, não mexi mais com a Simone. Acabei me interessando por um conto do Julio Cortázar, a Casa Tomada (que trata de um casal de irmãos, de idade avançada, que tem a casa tomada por desconhecidos). Estou muito animada para voltar a trabalhar”, contou. No mesmo andar de Valéria, vive o cantor Raimundo José. Nascido em Minas Gerais, ele começou a cantar aos 10 anos em corais e programas infantis. Como artista, já em São Paulo, fez o circuito da noite, cantando em teatros, bares e boates. José é da turma de nomes como Agnaldo Timóteo (José foi assessor de Timóteo durante o primeiro mandato do cantor como vereador em São Paulo), Nelson Ned e Clara Nunes. Ele chegou a vender 500 mil cópias com a canção Santo Forte. Quando nos encontramos pela primeira vez, ele cumpria quarentena, saía muito pouco do seu apartamento e pensava em um disco novo, em arranjos e orquestrações. “Agora, estou vacinado e esperando a segunda dose. A segunda picadinha. Não gravei disco novo, mas participei de um projeto chamado Festival Vozes da Melhor Idade, que já está disponível no YouTube”, afirmou. Aprendizados. Muita coisa mudou na vida de muita gente. Quando a pandemia começou, conversamos com a administradora de empresas Priscila Cavalcante. Na ocasião, ela contou que sempre flertou com a música, mas nunca teve tempo para se dedicar às aulas. “Meu pai me colocou no piano, mas eu sempre quis tocar violão. Depois, bem mais tarde, ganhei um violão do meu ex-marido, mas foi quando descobri que estava grávida. Minha cabeça mudou e eu deixei o violão de lado”, disse. Quando a quarentena começou, ela decidiu que era hora de se reconectar com um sonho antigo e começou a fazer aulas online de violão duas vezes por semana. E agora, como estão as aulas de violão da Priscila? “Fiquei 6 meses fazendo aulas virtuais, aí, em setembro, quando achei que tinha dado uma melhorada na pandemia, fui para as aulas presenciais. O online quebrou o galho, mas foram as aulas presenciais que deram um gás muito maior no meu aprendizado”, lembrou. Hoje, claro, Priscila voltou para as aulas virtuais. A música que ela mais gosta de tocar é Yellow Submarine, dos Beatles. Mas Priscila não parou no violão. Ela tem aproveitado o período de home office e pandemia para realizar alguns sonhos e investir em autoconhecimento. “Mudei de casa, fiz um curso de jardinagem e botânica e agora tenho uma varanda com flores. Montei um espaço zen no meu apartamento, um lugar de contemplação para eu olhar para dentro de mim. Além disso, fiz um curso de drinques pelo YouTube, algo que eu sempre quis fazer”, falou. Por fim, reencontramos a professora Cynthia Rachel Esperança. No ano passado, Cynthia escrevia um diário de isolamento. Na ocasião, ela disse: “É relatar para não surtar. Estamos vivendo um período em que não podemos fazer as coisas simples da vida. Se alguém tosse do meu lado, tenho vontade de chorar. Tudo isso é um impulso para escrever. Tento transformar fatos dolorosos e tristes em algo engraçado”. Hoje, quase um ano depois, o diário continua. Cynthia segue colocando seus sentimentos no papel (e na tela do computador). Agora, ela saiu do Rio de Janeiro e está em Salvador, trabalhando como assistente de direção de um documentário. Cynthia diz fazer do seu sobrenome (Esperança) uma bandeira, mas ainda não consegue enxergar a luz no fim do túnel da pandemia. “Faço 37 anos no dia 13 de maio. Queria muito ser vacinada até esse dia, mas, infelizmente, não é o que parece que vai acontecer. Mas seguimos lutando”, falou. Em abril do ano passado, Cynthia escreveu em seu diário: “13/4 – Dia de terror! Mercado, hortifrúti, farmácia... aglomeração. As pessoas não estão levando o vírus a sério. Enfim, hoje eu saí de máscara. Tá difícil encarar as ruas sem proteção. Mas o pior de tudo é a volta das compras. Eu queria ter uma máquina de lavar compras. Só isso. É uma maratona de higienização que cansa... muito. Ah, hoje faz um mês que a quarentena começou. Falta um mês para o meu aniversário”. Em janeiro deste ano (entre os dias 18 e 20), Cynthia escreveu em seu diário: “Estou a caminho da casa da mamãe. Meu irmão e eu vamos passar uns dias lá/ Mamãe está feliz com a gente aqui. Meu irmão cuidando da comida, e eu na arrumação da casa/ Dia de São Sebastião. Dia do meu padroeiro. Eu só peço que ele olhe por todos nós que recorremos a ele, e aos que não recorrem também”.

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