Após sete anos no casulo, Fiona Apple volta com 'The Idler Wheel...'

A forma desesperada e apaixonante com que artista canta é o estopim do fascínio pelo disco

PUBLICIDADE

Por ROBERTO NASCIMENTO - O Estado de S.Paulo
Atualização:

Fiona Apple está em um relacionamento e é complicado. Sempre esteve. Desde nossa primeira espiada em seu tempestuoso universo particular, através do hit Criminal, de 1996, sabemos de suas desventuras amorosas com mais detalhes que qualquer post de amigo no Facebook. Constância e tranquilidade praticamente inexistem em seu vocabulário artístico: homens vêm e vão. Os fantasmas permanecem. "Fui uma garota má, bem má", cantou em Criminal. "Fui descuidada com um homem delicado. É um mundo muito triste esse em que uma garota magoa um garoto só porque ela pode." Aos 18 anos de idade, Criminal foi seu cartão de visita para uma base de fãs que se mantém fiel até hoje. Na época, tornou-se fenômeno internacional com o disco Tidal. Voou alto na Billboard. Recebeu um Grammy de melhor performance. Viveu relativamente longe dos holofotes e lançou apenas três discos. Mas, ao contrário do que pode se esperar de uma cantora em processo de amadurecimento, não sossegou. Volta agora com o impressionante The Idler Wheel Is Wiser than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More than Ropes Will Ever Do (A roda menos usada é mais sábia que a chave do parafuso e os chicotes te servirão mais que as cordas), ou para os íntimos The Idler Wheel. Fiona é chegada em um título prolixo. O do segundo, When the Pawn... tem mais de 20 palavras. Trata-se de um disco quase perturbador, em que se admira a coragem da cantora por transformar o sumo de sua amargura em canções instigantes, ao mesmo tempo em que se tem aflição desta transparência brutal. "Jonathan, você é como o capitão de um barco emborcado, mas eu gosto de assistir você viver", canta na música Jonathan, sobre o seu ex-namorado, o escritor Jonathan Ames (a letra também não poupa a mulher atual de Ames). A forma desesperada, compulsiva e apaixonante com que Fiona canta em The Idler Wheel é o estopim do fascínio pelo disco. Há um que teatral e burlesco em suas dez músicas, que ganha força através da austeridade fosca da instrumentação do disco. Na faixa de abertura, Every Single Night, um acompanhamento reducionista e melodias entoadas entre o falado e o cantado compõem uma atmosfera semelhante à de um musical off-Broadway. Sua voz treme e se redime em Every Single Night. Dá escândalo em Periphery. Acusa em Valentine. ("You, you, you, you"), diz antes de dizer que foi a um jantar e chorou sobre o prato antes da comida chegar. Seu piano à acompanha com harmonias desconexas e bizarras, como se fossem acordes de um pianista de bebop suicida que acaba de se entorpecer. Através destas facetas, ou distúrbios artísticos de múltipla personalidade, o que se revela, ao decorrer do disco, é o vigor artístico de Fiona Apple aos 34 anos: é admirável que consiga, depois que o sucesso absoluto já não é mais um desconhecido, fazer um disco de tamanho foco e intensidade como The Idler Wheel... "Acho que fui uma pessoa reclusa pelos últimos 34 anos", disse, recentemente ao site Pitchfork. "Era o que fazia quando pequena, quando não ia à aula. Eu me treinei bem para ficar psicossomaticamente doente quando quiser. Até hoje, se eu vou ao Largo (boate de Los Angeles) eu me sinto doente. Toda vez que saio, é algo com que tenho que lidar. Mesmo quando vou à quitanda. Se eu tenho que ir a um lugar que não é confortável, eu não vou. Não sei dirigir. Não vou a lugar algum, exceto ao Largo. Meu irmão me leva lá. Eu ando pelo meu bairro, mas não vou a lugar algum. Tampouco quero ir", disse ao site. Outra reportagem, do New York Times, conta que em um surto compulsivo antes do lançamento de The Idler Wheel..., causado por um impasse com sua gravadora, Fiona Apple começou subir e descer um morro em Los Angeles, por oito horas ao dia, até que suas pernas não aguentassem mais, até que tivesse de fazer fisioterapia para curá-las. A cantora saiu de seu casulo em Venice Beach em abril, quando apresentou algumas canções, entre elas a apaixonante Anything We Want, no festival South By Southwest, em Austin. As gravações do show são parte do pacote de The Idler Wheel..., e servem de um termômetro para habilidade performática de Fiona. Nada menos que um discaço. Ao vivo, ou no estúdio.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.