Apocalípticos e integrados em NY

A exposição Caos e Classicismo, no Guggenheim, reúne o melhor da produção artística europeia entre 1918 e 1936

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Por Tonica Chagas
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A estética gerada nos principais centros de arte europeus entre as duas grandes guerras do século passado resultou numa exposição temática de escopo e qualidade que havia algum tempo andavam faltando nas rampas e galerias do Guggenheim Museum de Nova York. Organizada como um ensaio ilustrado pelo curador convidado Kenneth E. Silver, escritor e professor de arte na New York University, Chaos and Classicism: Art in France, Italy, and Germany, 1918-1936 examina o período de "retour à l"ordre" na França, de "ritorno al mastiere" na Itália, e da "Neue Sachlichkeit" (Nova Objetividade) na Alemanha.Com cerca de 150 obras de mais de 80 artistas cedidas por coleções internacionais, Silver organizou Chaos and Classicism como seus livros, em capítulos, percorrendo desde o período do armistício da 1ª. Guerra à época da Olimpíada de Berlim, em 1936. O trauma do primeiro grande conflito mundial é relembrado na introdução, com cadáveres em arame farpado, casas destruídas por bombas e soldados sob ataque em 15 gravuras selecionadas do portfólio Der Krieg (A Guerra), criado por Otto Dix em 1924. Em contraponto aos desenhos, esculturas como Île-de-France (1925), de Aristide Maillol, e Grande Homem Caminhando (1921), de Ernesto de Fiori, têm em comum a reabilitação do corpo.Na retomada da ordem após o caos, o classicismo dominou o discurso da arte contemporânea pós-guerra. Em seu primeiro capítulo, a exposição focaliza o entusiasmo dos artistas pela representação da escultura como versão mais duradoura do corpo e Picasso, que aparece em mais três seções, é visto nessa primeira pintando mulheres esculturais vestidas em túnicas gregas. A vanguarda olhou para trás para compor o novo, como Matisse no seu bronze Grande Nu Sentado (1922-1929), inspirado na escultura Noite, que Michelangelo fez para a tumba dos Médicis, em Florença, entre 1519 e 1534.A história e a mitologia dos gregos e romanos foram retomadas na narrativa e em temas da pintura e escultura do entre-guerras, inspirando também fotografia, cinema, moda e artes decorativas. Para Silver, O Sangue de um Poeta, filme surrealista de Jean Cocteau feito em 1930, embora de interpretação evasiva, dá o tom da arte europeia naquele período. O curador resume o significado de uma das sequências do filme com o ditado "Ars longa, vita brevis" (arte longa, vida breve): o poeta dá vida a uma estátua antiga, a qual o faz passar tantos maus momentos que ele a destrói; mas ele mesmo acaba virando uma estátua. Um dos anexos do museu acolhe a seção que focaliza a busca de resoluções da nova linguagem modernista entre o passado histórico da arquitetura e a indústria do presente. Construtores juntaram novos materiais, sobretudo vidro e metais, em combinações inéditas como as de Le Corbusier, em seus projetos para residências particulares, ou as de Giuseppe Terragni para a sede do Partido Nacional Fascista, em Como. O pavilhão desenhado por Ludwig Mies van der Rohe para representar o primeiro governo democrático da Alemanha na Exposição Internacional de Barcelona, em 1929, é considerado a construção que mais suscintamente expressa o classicismo moderno. De telhado reto e sem adornos, ele sintetizava tradição e modernidade, reconciliando estrutura clássica com organização espacial e móveis contemporâneos.A exposição termina com o lado escuro do classicismo, com a visão nacionalista de raízes culturais e perfeição sendo apropriadas gradualmente pela direita política. Em trechos do filme Olympia, realizado entre 1936 e 1938, a Olimpíada de Berlim torna-se um espetáculo de estilo clássico pelas lentes da cineasta e propagandista nazista Leni Riefenstahl, e entre as representações mais notáveis da Roma antiga estão gladiadores pintados por Giorgio de Chirico, atacado pelos surrealistas por se aproveitar das vantagens do regime fascista. A ideia de como a arte deveria ser - realista, idealizadora e clássica - é condensada nas jovens alemãs de Os Quatro Elementos: Fogo, Água e Terra, Ar, três grandes painéis pintados por Adolf Ziegler e instalados no apartamento de Adolf Hitler em Munique. Ziegler era o chefe da Câmara de Artes Visuais do Reich que confiscou praticamente todas as obras modernistas dos museus alemães e exibiu 650 delas na infame exposição Entartete Kunst (Arte Degenerada), aberta em Munique no dia 19 de julho de 1937. O mundo, então, estava a apenas dois anos de outro grande caos.A exposição Chaos and Classicism: Art in France, Italy, and Germany, 1918-1936 fica em cartaz no Guggenheim de Nova York até 9 de janeiro e segue para o de Bilbao, na Espanha, onde será exibida entre 21 de fevereiro e 15 de maio.

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