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Aos 74 anos, Larry Bell faz a primeira mostra no Brasil

Americano é expoente da geração que marcou a década de 1960

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Um dos grandes nomes da arte americana da década de 1960, Larry Bell, aos 74 anos, faz sua primeira individual no Brasil, que será aberta hoje, na galeria White Cube. Apropriadamente chamada de The Carnival Series, a mostra, realizada às vésperas do carnaval brasileiro, reúne colagens festivas e esculturas multicoloridas recentes, assim como obras mais antigas, dos anos 1980, entre elas a primeira “mirage painting” criada pelo artista, Spider Web (Teia de Aranha, 1988), assim chamada por ser uma colagem que imita pintura. Com quase meio século de carreira, Bell está representado nos principais museus americanos (MoMA) e europeus (Pompidou), além de ser um dos ícones escolhidos para figurar ao lados dos Beatles na capa do antológico disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Bell está bem atrás de Lennon e Ringo, de gravata púrpura).

 

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Bell não era amigo dos Beatles nem do designer gráfico Peter Blake, que assinou a capa do histórico álbum. “Eles devem ter visto uma exposição minha em Londres, em 1966, e, pelo jeito, gostado dela”, diz, modesto. O certo é que Larry Bell já era um mito para a geração dos Beatles e Rolling Stones – ele gostava mais dos últimos. Amigo de Dennis Hopper, o astro do filme Sem Destino (Easy Rider), que o fotografou para a capa dos Beatles, ele conta que entrou para o mundo da arte mais ou menos por acaso. Nasceu com um problema de audição e foi obrigado pela mãe a escolher uma profissão. “Você não vai ficar diante dessa televisão sem fazer nada, Larry”, disse a senhora Bell ao garoto, fascinado por desenhos animados.

Ele, então, entrou para uma escola de arte para aprender animação. Queria trabalhar nos estúdios Disney, mas seus olhos ficaram divididos entre Mickey e o expressionismo abstrato. Preferiu seguir os passos de Willem de Kooning, como muitos pintores de sua geração, até que a tediosa repetição de pinceladas o fez mudar de direção. Cansou da pintura de superfície. Queria dominar a tridimensionalidade, fugir do ilusionismo pictórico e conquistar o volume. Foi por volta de 1964 que ele tomou a decisão de sua vida: iria criar objetos em perfeita interação com o ambiente e capazes de refletir a luz. Foi assim que nasceram as “cube sculptures”, que, como sugere o próprio nome, são esculturas de vidro em forma de cubo.

Antes do cubo de vidro, ele já havia elaborado o conceito de simetria virtual ao usar o frágil material (o vidro absorve e reflete a luz ao mesmo tempo). O trabalho chama-se Conrad Hawk (1961) e está na coleção Menil, em Houston. É uma pequena obra-prima, uma pintura em acrílica em forma de cubo que, recortada no centro (como uma tela de Lucio Fontana), forma um cubo com a placa de vidro inserida no suporte. Os dois cubos, um o reverso simétrico do outro, não apenas interagem com a parede por causa da transparência do vidro, mas com o espectador, que se vê refletido nele.

Larry Bell tem muito orgulho desse trabalho, mas revela que jamais teve com a arte uma relação intelectual como os artistas de sua geração, em particular os minimalistas, com os quais foi associado no passado. “Adoro as obras de Donald Judd, Carl Andre e os outros, mas nunca fui de escrever manifestos”, diz, contando uma história curiosa: “Meu professor de pintura, Robert Irwin, me aconselhou a abandonar a escola e pesquisar sozinho em meu ateliê”. Irwin, um dos expoentes do movimento Light and Space (Luz e Espaço), surgido na Califórnia nos anos 1960 e relacionado à op art por causa da relação entre luz e arquitetura, praticamente empurrou Bell para o mundo da tecnologia.

Em 1968, Bell começou a operar com câmaras panorâmicas, distorcendo imagens do corpo feminino, a exemplo do húngaro Kertész (na série Pink Ladies, da qual ele diz não gostar). De qualquer modo, é possível ver a ressonância dessa antiga experiência num dos trabalhos atuais, especialmente na série de colagens Mardi Gras (ou The Carnival Series), em que ele evoca a forma feminina sentada da tradicional pintura clássica. Outra experiência científica foi feita com um tanque a vácuo, uma daquelas máquinas de ficção que possibilitou ampliar a exploração da cor e da luz em suas esculturas translúcidas. “Tive de aposentá-la no ano passado, após 40 anos de uso”, conta, revelando certa tristeza no olhar.

Seu espírito de professor Pardal foi moldado pela leitura de H.G. Wells, que adora. Bell é um artista transdisciplinar, que conheceu Marcel Duchamp (“achei que ele e Richard Hamilton eram surrealistas”) e trabalhou em parceria com o arquiteto Frank Gehry, do Museu Guggenheim de Bilbao. “Ele ficou fascinado por meu banheiro e pela escada de meu estúdio em Venice Beach, mas repito que tudo o que faço é de forma intuitiva”, observa. “Trabalho mais depressa do que penso”.

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Sem perder a conexão com seus contemporâneos, Bell retoma a fragmentação cubista nas três esculturas feitas com película de poliéster e suspensas por fios de nylon como móbiles de Calder. Revestidas para criar uma superfície espelhada, elas lembram os “trepantes” de Lygia Clark . Mais uma razão para ver sua exposição.

LARRY BELLWhite Cube.R. Agostinho Rodrigues Filho, 550, Vila Clementino, 4329-4474. 11h/19h (fecha dom. e 2ª). Grátis. Até 22/3.

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