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Antonio Fagundes e seu filho estrelam peça juntos

'Vermelho', que estreia em 29 de março, fala sobre a vida do pintor Mark Rothko

Por Ubiratan Brasil - O Estado de S.Paulo
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Enquanto reflete sobre Shakespeare, Nietzsche, Jung e Freud, Antonio Fagundes mistura tinta vermelha com ovos e fungicida, formando uma pasta rubra que será aplicada na tela de pintura que é preparada pelo filho Bruno. Este, por sua vez, enquanto monta a moldura, responde com elogios à pop art de Andy Warhol, Roy Lichtenstein e outros. O encontro não é fortuito como parece - juntos, pai e filho ensaiam a peça Vermelho, que estreia dia 29 de março, inaugurando o mais novo teatro da cidade, o GEO, instalado no prédio que também abriga o Instituto Tomie Ohtake. "É uma troca de conhecimento, mas, ao mesmo tempo, um enfrentamento de gerações, como bem prega o texto da peça", observa o diretor Jorge Takla.De fato, escrito pelo americano John Logan, Vermelho (Red, no original) apresenta um diálogo socrático entre mestre e pupilo: de um lado, o célebre pintor Mark Rothko (1903-1970), reconhecido como um artista singular do abstracionismo; do outro, Ken, jovem assistente que logo revela uma inteligência apurada e inquisidora. Da conversa travada entre os dois, despontam não apenas as diferenças entre homens de idades e culturas distintas, mas uma profunda e emocionante relação entre o artista e sua criação.A história se passa no estúdio de Rothko em Nova York, entre 1958 e 59. Ele se prepara para pintar uma série de quadros encomendados por um restaurante de luxo, o Four Seasons. Enquanto mistura tintas e prepara as telas, ele passa orientações a Ken que, para sua surpresa, passa a questioná-lo sobre seus conceitos artísticos - afinal, como um pintor tão cioso de seu trabalho aceita realizar um projeto puramente comercial?"Logan foi extremamente inteligente ao localizar a peça nesse momento, pois capta não apenas a mudança na pintura de Rothko como na arte moderna como um todo", conta Fagundes pai que, ao lado de Bruno, estudou profundamente todos os movimentos artísticos da época. "É uma fase de grande efervescência, quando a pop art contesta o tradicionalismo", completa Fagundes filho que, ao contrário de seu personagem, vem absorvendo os experientes conselhos do pai.Pai e filho descobriram a peça Vermelho por caminhos distintos. Enquanto apresentava o monólogo Restos, em 2009, em São Paulo, Antonio Fagundes, de 62 anos, foi aconselhado por uma amiga a ler o texto de Red - bastou uma leitura para ficar interessado. "No dia seguinte, já estava buscando os direitos da montagem", lembra. Praticamente na mesma época, quando garimpava algo para levar ao palco, Bruno Fagundes, de 22 anos, recebeu um toque da atriz e produtora Rachel Ripani, que traduzira Red para o português. "Quando cada um foi falar sobre sua descoberta, descobrimos que falávamos do mesmo texto."O jogo cênico proposto pelo dramaturgo e roteirista (O Aviador, Gladiador) John Logan era estimulante. A disputa verbal entre o pintor Rothko e seu assistente Ken se desdobra em várias camadas, partindo da dinâmica relação entre o artista e sua obra até chegar ao entendimento dos caminhos da pintura ocidental. "Rothko era o mais purista dos abstracionistas, com um grau de exigência muito grande em relação à sua obra", observa Antonio.De fato, o pintor nascido na Rússia tinha uma rara preocupação em relação ao público que admiraria suas telas - para Rothko, não importava o tamanho das telas (em seu período clássico, ele criou peças monumentais), mas a criação de um contato íntimo e humano com o espectador que, a partir de temas como tragédia, êxtase e sublime, fosse transportado para o campo espiritual que ele materializou nos contrastes e na modulação da cor.Por conta disso, é significativo que a peça comece justamente quando Rothko chama Ken para observar um de seus quadros. "O que você vê?", é sua primeira fala e, antes que o rapaz responda, ele passa a apontar detalhes que precisam ser captados, pois, afinal, para Rothko, a pintura mais interessante é aquela que expressa mais o que se pensa do o que se vê - algo como um meio para externar pensamentos filosóficos ou esotéricos a partir da tinta e do pincel.

 

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