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Antônio Araújo encena três visões do sagrado

Pela primeira vez, Paraíso Perdido, O Livro de Jó e Apocalipse 1.11, o conjunto completo da Trilogia Bíblica do Teatro da Vertigem, estão em cartaz simultaneamente, ocupando um antigo presídio, um hospital e uma igreja

Por Agencia Estado
Atualização:

Ao fundar a companhia Teatro da Vertigem, Antônio Araújo estava movido por uma profunda inquietação: "O homem contemporâneo está perdido, desligado de sua dimensão sagrada." Tal inquietação levou o diretor a criar três belos e polêmicos espetáculos, de inegável importância na cena contemporânea - Paraíso Perdido, O Livro de Jó e Apocalipse 1.11. A partir de amanhã, quando Paraíso Perdido reestréia para convidados na Catedral Anglicana de São Paulo, pela primeira vez a chamada Trilogia Bíblica estará sendo apresentada em repertório. Até o dia 28, o primeiro espetáculo do grupo, cujo tema é a queda do homem e a expulsão do Paraíso, estará em cartaz às terças e quartas, na Catedral Anglicana; Apocalipse às quintas e sextas no Presídio do Hipódromo; e O Livro de Jó, aos sábados e domingos, no Hospital Umberto Primo. Paraíso Perdido estreou em 1992, na Igreja de Santa Ifigênia, provocando proibições de bispos católicos e protestos de fiéis. Sérgio Carvalho (diretor da Cia. do Latão) assina o roteiro, inspirado no poema homônimo de John Milton (1608-1674), já comparado a Shakespeare pelo seu vigor lírico, com inserções de textos de Jorge Luís Borges e poemas de Reiner Maria Rilke e T.S. Eliot, entre outros. O espetáculo que o público verá agora é o mesmo criado há 10 anos. "Chegamos a levantar a possibilidade de refazê-lo, mas concluímos que não fazia sentido criar um Paraíso 2. A idéia é revisitar o conjunto de espetáculos, propiciando assim, à companhia e ao público, um momento privilegiado, no qual se pode detectar relações entre eles." Lúcifer, o anjo caído, é quem guia o público pela encenação de Paraíso Perdido, que ocupa desde o altar até janelas e genuflexórios da catedral. São três movimentos. No primeiro, a queda, a expulsão e a dor pela perda da inocência e do Éden. Em seguida, vem a revolta, a reafirmação do desejo de desobediência, a negação de Deus. Por último, o homem percebe que sua condição é a queda. Todos os seus atos, para o bem ou para o mal, são produto dela. E estará sempre em busca da transcendência perdida. Portanto, não se trata de uma peça "religiosa", mas sim de um espetáculo que toma como ponto de partida a temática da expulsão do Paraíso para falar da condição humana. "É uma ode ao ser humano e ao desejo de transcendência que está na raiz de todo sentimento religioso", escreveu o crítico Alberto Guzik na estréia do espetáculo, para o Jornal da Tarde. Além da beleza natural do cenário, o espetáculo tem ainda uma primorosa iluminação de Guilherme Bonfanti e elogiados figurinos de Fábio Namatame, dupla que iria repetir a parceria com o diretor em toda a trilogia. Paraíso Perdido não esgotou a inquietação de Antônio Araújo. Ele queria mais. "Vivemos numa época que oscila entre o ateísmo, a descrença absoluta, carregada de preconceito contra o sagrado, e o fanatismo, a fé cega." Ou ainda a vulgarização do metafísica - o misticismo, o esoterismo. A idéia de trabalhar sobre o poema dramático do Velho Testamento, a história do homem cuja fé é testada por Deus, foi sugerida pelo diretor ao grupo - e imediatamente aprovada - ainda durante a temporada de Paraíso. Eram tempos de muitas mortes provocadas pela aids, doença que trouxe ao cenário a idéia de punição divina. O Livro de Jó, que estreou em 1995, ocupa três andares do Hospital Umberto Primo. A partir de um desafio do diabo, Deus testa Jó que, neste espetáculo, não é passivo, mas questiona os desígnios do criador. E oscila entre a fé cega dos amigos judeus e a descrença absoluta de sua mulher. Mas só Jó, com sua fé questionadora, chega ao terceiro andar, à epifania, à transcendência. Três anos depois de Jó, Antônio Araújo montou Apocalipse 1.11. Eram tempos de chacina e de mobilização para a passagem do milênio. Araújo resolve trabalhar dialeticamente sobre a carga de "esperança e terror" desses tempos. Depois de se debaterem entre submissão e rebeldia a Deus, os personagens vêem-se responsáveis pelo seu destino em Apocalipse. A peça começa com uma garotinha, a própria imagem da inocência, cuidando com delicadeza de uma plantinha, para em seguida atear fogo ao vaso. Esperança e terror. A prometida Nova Jerusalém ou a degradada Babilônia. Nem uma coisa nem outra estão traçadas por um destino ou profecia. Apocalipse mostra ambas como fruto da ação dos homens. Vista em conjunto, a trilogia mostra homens que carregam em si mesmos Deus e o diabo, a miséria e a grandeza. E têm o poder da transformação. Apocalipse 1,11. Duração: 2 horas. Quinta e sexta, às 21 horas. R$ 12,00. Presídio do Hipódromo. Rua do Hipódromo, 600, tel. 9114-3410. Até sexta. O Livro de Jó. Duração: 75 minutos. Sábado, às 21 horas; domingo, às 20 horas. R$ 25,00 e R$ 30,00 (sábado). Hospital Umberto I (Al. Rio Claro, 190. 32536443). Até domingo. O Paraíso Perdido. Duração: 60 minutos. Terça e quarta, às 21 horas. R$ 30,00. Catedral Anglicana de São Paulo. Rua Comendador Elias Zarzur, 1.239. Inf. tel. 9114 3410. Até 19/3. Estréia amanhã (18) para convidados e na quarta para público. Vendas para os três espetáculos somente na sede do Teatro da Vertigem. Rua Roberto Simonsen, 136 B, Centro, tel. 9114- 3410. Terça e quarta, das 16 às 18 horas; de quinta a domingo, das 16 às 19 horas.

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