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Antonio Abujamra encena a derrota de Lampião em Mossoró

Diretor encontrou profunda tradição teatral na cidade potiguar onde ocorrerá a montagem ao ar livre, com 70 atores, dois telões e fogos de artifícios

Por Agencia Estado
Atualização:

Há 75 anos, o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1900-1938), sofreu sua primeira grande derrota ao tentar invadir a cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Sob a liderança do prefeito Rodolfo Fernandes e do padre Motta, a população resistiu ao ataque e rechaçou o bando. O combate já é história e seus lances épicos e picarescos serão narrados nesta quinta-feira à noite, por 70 atores, num grande espetáculo ao ar livre, encenado sobre um palco armado no átrio da Igreja de São Vicente, em Mossoró, sob direção de Antonio Abujamra, o Abu. Utilizando recursos como dois telões, fogos de artifício e chuvas de pétalas acetinadas - e ele próprio atuando como um dos quatro mestres-de-cerimônia -, Abujamra assina a concepção de Chuva de Bala no País do Mossoró, que será apresentado quinta, sexta e sábado na cidade, antes de seguir para apresentações em Natal e Fortaleza. O texto do espetáculo é assinado a quatro mãos por Tarcísio Gurgel e Abu. "Ele tinha escrito um roteiro inicial, mas estava bastante centrado na figura de Lampião, na invasão e na batalha. O que fiz foi ampliá-lo", diz Abu. Assim, os telões podem exibir tanto imagens reais e já históricas de Lampião e seu bando como da queda das torres do World Trade Center. Ou ainda de quadrilhas "contemporâneas" atuando no Rio Grande do Norte. "Abu abre o espetáculo, faz interferências e também fala o texto final, sobre a questão da mudança, do novo", observa o ator e diretor teatral Augusto Pinto. Com 40 anos de idade, há 16 Pinto integra um grupo teatral em sua cidade e é um dos assistentes de direção do espetáculo, com Nonato Santos, ambos de Mossoró, e ainda Allan Castelo, do Grupo F... e Privilegiados, do Rio, levado por Abu. "Há um paralelo entre o que a derrota do cangaço significa, em termos de transformação, e a queda das torres. E guerra é guerra, elas não são muito diferentes umas das outras." A verdade é que, segundo historiadores, a queda de Lampião significou também o fim de um tipo de criminalidade, ainda movida por códigos de honra. A partir daí, só o dinheiro vai motivar as ações dos chamados "foras da lei". Ao ser convidado para encenar Chuva de Bala no País do Mossoró - depois de ter dirigido, ano passado, um "auto" na cidade de Natal -, Abu pouco sabia dessa história de invasão na cidade. Menos ainda que iria encontrar uma cidade acostumada a criar grandes representações a céu aberto. "Todo mês de setembro temos o Auto da Liberdade, um grande espetáculo que envolve toda a cidade, um cortejo de 10 mil atores", conta Pinto. Nesse cortejo - só para se ter idéia, algo semelhante ao Carnaval carioca, ainda que o ritmo seja mais "militarizado" - são narrados episódios como o "motim das mulheres", que, revoltadas contra a convocação dos homens de Mossoró para a Guerra do Paraguai, rasgaram os documentos da convocação. Ou ainda a libertação dos escravos - decretada em Mossoró cinco anos antes da abolição da escravatura no País - e o voto feminino. "A gente sai do eixo Rio-São Paulo e encontra uma gente sabida e entusiasmada. Essa cidade é impressionante. Orgulha-se por ter tido a primeira eleitora feminina do País, da libertação dos escravos", comenta Abu, que captou esse orgulho cívico e o retrabalhou no espetáculo. "Ele faz uma paralelo entre a Mossoró que atraiu Lampião - grande exportadora de algodão - e a cidade nos dias de hoje. Aproveitou o espetáculo para falar também da cidade nos dias de hoje", afirma Pinto. Além do Auto da Liberdade, a cidade encena, em dezembro, o Oratório de Santa Luzia, outra grande representação a céu aberto envolvendo os moradores. Amir Haddad e Fernando Bicudo são dois diretores que já foram convidados para participar dessas representações. "Realizar oficinas e parcerias artísticas com diretores como Abujamra e Haddad são importantes para os artistas locais. A gente aprende com eles", diz Pinto. "Diretores como eles e ainda Fauzi Arap, Augusto Boal e Gianni Ratto, a gente só conhece aqui por meio de livros ou entrevistas."

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