Antes de demissão, Alvim brinca com boneco que ‘assassina’ Lula e ironiza polêmica sobre nazismo

'Continuamos no âmbito da Segunda Guerra Mundial', ironizou, horas antes de deixar o governo. 

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Por Mateus Vargas
4 min de leitura

BRASÍLIA - "Chegou bem no dia em que o pau tá quebrando, né? Chegou no dia ‘D’”, disse o dramaturgo Roberto Alvim ao Estado, nesta sexta-feira, 17, quatro horas antes de sua demissão. O comentário do agora ex-secretário de Cultura foi feito logo no começo da entrevista, antes de ele se opor ao nazismo, mas “assinar embaixo” das ideias “perfeitas” de Joseph Goebbels, ideólogo do governo alemão de Adolf Hitler, adaptadas para o discurso de lançamento do que seria o carro-chefe da gestão de Jair Bolsonaro para a área cultural.

Roberto Alvim e o boneco 'Doutrinador' Foto: Gabriela Biló/Estadão

“Continuamos no âmbito da Segunda Guerra Mundial”, ironizou Alvim, até então sorridente e em tom confiante. Em sua mesa, além de uma cruz da Região das Missões (RS) e de um frasco de água benta, o então secretário exibia um pequeno boneco armado do “Doutrinador”, personagem que assassina políticos acusados de corrupção em uma história em quadrinhos. 

“É o Doutrinador. Ele matou o Lula num quadrinho”, explicou Alvim, emendando com uma longa risada, numa referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O boneco custa cerca de R$ 90 em lojas virtuais. Uma delas o descreve como “umanti-herói genuinamente brasileiro”, que escolheu “combater a roubalheira da elite política de uma forma radical: aniquilando os mau políticos, caçando corruptos de todas as matizes ideológicas”.

 Àquela altura, o ainda secretário dizia acreditar que continuaria na mesma cadeira, porque Bolsonaro havia garantido sua permanência na equipe. “Conversei com o presidente hoje de manhã. Ele se convenceu plenamente do que falei. Ele sabe, me conhece. Sabe que minhas intenções são absolutamente nobres nesse campo”, disse Alvim. Quatro horas depois, o presidente confirmou, em nota, a demissão que já era dada como certa.

Na mesma manhã, após repercussão da entrevista ao Estado, Alvim cancelou as agendas que restavam no dia. Foi ao Palácio do Planalto e colocou o cargo à disposição. “A filiação de Joseph Goebbels com a arte clássica e com o nacionalismo em arte é semelhante à minha e não se pode depreender daí uma concordância minha com toda a parte espúria do ideal nazista”, afirmou. “Gravou essa p*?”, emendou ele, ao cobrar que a frase fosse incluída na reportagem.

Alvim disse não saber quem havia incluído a adaptação da frase nazista no seu discurso, mas avisou que não faria “caça às bruxas” para encontrar um culpado. Afirmou, ainda, que um trecho pode ter sido inspirado na declaração nazista sem que ele soubesse.

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Ao Estado, Alvim destacou que o Prêmio Nacional das Artes, iniciativa que distribuiria cerca de R$ 20 milhões, seria o começo da “refundação” da cultura brasileira, baseada em conceitos conservadores de artes, mas sob a promessa de não promover bandeiras da direita política. Ainda fazendo planos, o então secretário afirmou torcer para que a população, num futuro breve, consumisse obras clássicas em massa. O cenário idealizado não impediria a reprodução do funk ou hip hop, apesar de ele “abominar” os ritmos. “Agora, nada impede que se crie uma música com a batida do funk e que seja uma música interessante em alguns sentido estético, embora eu ache muito complicado”, argumentou.

Derrocada. Na quinta-feira, 16, ao lançar um edital de prêmios da Cultura, durante transmissão nas redes sociais com Bolsonaro, Alvim ouviu elogios do chefe. “Agora temos, sim, um secretário de Cultura de verdade. Da maioria da população brasileira. População conservadora e cristã. Muito obrigado por ter aceitado essa missão”, disse o presidente.

Alvim foi o terceiro nome a ocupar o cargo em cinco meses. O primeiro, Henrique Pires, deixou a pasta em agosto do ano passado, acusando o governo de censurar obras LGBT. O economista Ricardo Braga, por sua vez, ficou apenas dois meses e foi transferido para uma secretaria no Ministério da Educação.

A repercussão negativa sobre a frase adaptada do nazismo fez Alvim virar alvo nesta sexta, 17, até mesmo do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, além de outros conservadores. Isolado, ele anunciou nas redes sociais que colocava o cargo à disposição. O dramaturgo foi nomeado como secretário de Cultura em novembro, semanas após ofender a atriz Fernanda Montenegro nas redes sociais. Mas ele já estava no governo desde junho como diretor da Fundação Nacional das Artes (Funarte). 

Na curta passagem pelo cargo, Alvim ganhou a briga com os ministros da Cidadania, Osmar Terra (MDB), e do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), ao receber aval de Bolsonaro para nomear quem quisesse. À época, o presidente chegou a mudar a estrutura da Esplanada para retirar a secretaria de Alvim do guarda-chuva de Terra e evitar atritos entre os dois.

O dramaturgo dirigiu por três décadas peças de sucesso de crítica, mas disse ter mudado radicalmente de perfil político após se curar de uma grave doença, por meio de orações. Ele afirmou que sofreu uma “metanoia” e explicou: “É uma mudança espiritual, de posicionamento existencial radical”. Alvim surpreendeu a classe artística ao declarar voto em Bolsonaro em 2018, após o atentado a faca sofrido pelo então candidato do PSL ao Palácio do Planalto.

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