Anos 70 voltam para revigorar século 21

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Por Agencia Estado
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Uma década de intenso experimentalismo nas artes será revista a partir desta segunda-feira, às 19 horas, no Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149). É a década de 70, reavaliada em toda sua extensão, do aspecto artístico ao comportamental, na exposição Anos 70: Trajetórias. A entrada é franca. A organização do evento, que conta ao todo com 12 curadores de diferentes áreas e terá até pré-estréias de espetáculos (caso do balé de Lia Rodrigues, inspirado na obra de Lygia Clark), é de Celso Favaretto. Diversas manifestações históricas serão examinadas, "sem totemização", como diz o diretor do Itaú Cultural, Ricardo Ribenboim, e se alastrarão pelo País. Por exemplo: em Belo Horizonte, a partir do dia 26, será reexaminada uma exposição histórica das artes visuais brasileiras, a mostra Do Corpo à Terra, realizada há 31 anos no Parque Municipal de Belo Horizonte. Naquele dia, em plena ditadura militar, cerca de 20 artistas fizeram performances ou happenings de protesto. Cerca de 5 mil pessoas foram ao parque na ocasião. Foi uma manifestação de muita violência e radicalismo. Cildo Meirelles queimou 15 galinhas vivas, amarradas a um poste (ele tem até hoje os restos daquilo). Arthur Barrio dispôs suas famosas trouxas ensanguentadas no rio, um manifesto contra as desovas do Esquadrão da Morte. Luiz Alfonso queimou com napalm uma faixa de 30 metros. "Foi o evento mais radical que aconteceu na arte brasileira desde a década de 50", disse o crítico Frederico Morais, artífice daquela manifestação. "Não teve catálogo, mas um texto-manifesto ao final, e foi uma exposição cercada pela polícia, com intervenção dos bombeiros, discursos de autoridades e protestos." Revisitar e provocar reflexão sobre essa época, ainda um tanto desconhecida pelos brasileiros, foi a motivação do mentor da exposição do Itaú Cultural, Celso Favaretto. Em geral, nossas vanguardas caminham com algum atraso em relação às vanguardas internacionais. Os anos 70 também tinham essa defasagem? Eram um mero eco dos anos 60? Celso Favaretto - Uma das coisas notáveis dos anos 70 é que estávamos articulados no nível das vanguardas internacionais, era tudo simultâneo. A cultura desenvolveu-se nas mais diversas direções, particularmente as artes plásticas, e produziram singularidades, especificidades. Nada era diferente, em termos de experimentação, do que se fazia em Nova York ou Milão na época. Era diferente apenas em termos de evidenciação. O mercado de arte era mais aberto para o que se fazia fora. De qualquer forma, aquela produção hoje é reconhecida internacionalmente, caso de Gershman, Lygia Clark, Antonio Dias. Que produziram fora mas faziam arte brasileira. Também foi uma época em que havia uma influência muito grande do que se fazia em arte nos EUA. A arte americana, desde os anos 60, tornou-se a arte internacional. A pop arte realizou um tipo de pesquisa e tornou palpável um desejo artístico que vinha desde os anos 60, a de usar objetos e signos do cotidiano na produção cultural. Aqui, o AI-5 inviabilizou boa parte dos projetos dos anos 60, e os artistas descobriram que era preciso experimentar para - ainda - poder falar politicamente. A produção artística dessa época buscou frestas, mangas, dobras por onde penetrar, sempre por meio da experimentação. Por outro lado, essa década termina com uma total falta de contundência política, com uma produção fincada no entretenimento - como no caso da disco music. Há uma série de fatos que contribuem para isso. O fim dos anos 70 chega com um alto desenvolvimento da indústria cultural, que se mune inicialmente de capital financeiro e depois tecnológico. Houve também um programa oficial de cultura, que consubstancia uma tentativa de cristalizar uma identidade cultural brasileira. O governo federal, ao longo da década, cria a Embrafilme, o Pró-Memória, o Inacen (Artes Cências), o Iphan. O cinema passa a produzir uma cinematografia média, com intenção de gerar público. Em 31 de dezembro de 1978, quando o AI-5 é extinto, você já tem outra paisagem cultural. A indústria musical, por exemplo, foi recuperando e assimilando as novidades que surgiram na cultura alternativa. Não há uma espécie de vazio de produção entre uma coisa e outra? Quero dizer, cessam aqueles diálogos que foram ricos na época do tropicalismo, por exemplo. Não há mais embates nem discussões estéticas. Não houve um GAP, mas a imediata entrada na cultura do sistema. O alternativo, seja por força da censura ou por opção, já estava conjugado, em articulação com o consumo. O meio cultural já tinha se reformulado. Não há também um saturamento das linguagens experimentais, de pouca acessibilidade? De fato, as tentativas nem sempre produziam obras muito legíveis ou compreensíveis. "Marginália" vasculha arquivos de Oiticica A mostra Panorama do Super-8, exibida nos espaços expositivos e na web pelo Itaú Cultural a partir de amanhã, é o pontapé inicial da megaexposição Anos 70: Trajetórias. O curador da mostra, Rubens Machado Jr., professor da USP, mapeou, recuperou e remasterizou o trabalho de 78 realizadores, compondo um raro painel da produção do período. O evento é intitulado Marginália 70 - Experimentalismo no Super-8 Brasileiro. Amanhã, já estará disponível na web e nos terminais eletrônicos do Itaú Cultural a pesquisa multimídia de Lisette Lagnatto sobre o artista Hélio Oiticica. Lisette vasculhou arquivos, agendas, fichários, cadernos e rascunhos do artista para compor um estudo conceitual do trabalho de Oiticica, um catálogo "raisonné visual on-line", como ela chama. Além dessas mostras, o visitante poderá rever 200 poemas de 78 escritores da "geração mimeógrafo"; assistirá à reedição do célebre espetáculo Banquete dos Mendigos, no Teatro Municipal (dia 10 de dezembro, às 21 horas); a estréia de espetáculo de dança Aquilo de Que Somos Feitos, de Lia Rodrigues (dia 21 de novembro, às 21 horas), baseado no produção de Lygia Clark; entre outras dezenas de manifestações. Os cartunistas José Alberto Lovetro, o Jal, e Gualberto Costa, o Gual, fizeram uma "escavação arqueológica" nas principais revistas do período (como os nove pioneiros números da revista Balão, surgida na USP) para definir como se cristalizou o moderno cartum nacional. Jal e Gual fazem isso em um ateliê de criação, preparado para receber os visitantes da mostra. Seus cursos, intitulados Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula, começam a ser ministrados no dia 16.

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