
17 de novembro de 2012 | 02h06
Com desempenho seguro, Angélica produz um desconcerto saudável, que propõe refletir sobre as consequências de uma recusa ao patético e ao sublime na literatura para além de seu efeito provocador imediato. Num tempo propício à ironia, à desmistificação da linguagem, ao elogio da cotidianidade, vale pensar se essa recusa, traindo seu propósito subversivo, não se converte ao fim de tudo na simples expressão de um espírito de época já reconhecidamente antiepifânico.
Poema para uma antologia do novíssimo século, ítaca é emblemático da antipoesia que a autora deflagra: "se quiser empreender viagem a ítaca / ligue antes / porque parece que tudo em ítaca / está lotado / os bares os restaurantes / os hotéis baratos / os hotéis caros / já não se pode viajar sem reservas / ao mar jônico / (...) / se bem quiser vá a ítaca / peça a um primo / que lhe empreste euros e vá a ítaca / é mais barato ir à ilha de comandatuba / mas dizem que o azul do mar / não é igual".
Num jogo intencional de irreverência semelhante ao da portuguesa Adília Lopes, de quem segue o mote de "quanto mais prosaico / mais poético", Angélica Freitas faz o próprio caminho, explorando o caudal de ironias de sua época e ainda explorando-se a si mesma no sentido do desconcertante.
MARIANA IANELLI É POETA, AUTORA DE 'TREVA ALVORADA' (ILUMINURAS), ENTRE OUTROS
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