Análise: ansiedade na medida certa é preciosa, em excesso, é insalubre

Inabilidade no controle do futuro gera frustração

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Por Rodrigo de Almeida Ramos
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Com a revolução agrícola, há cerca de 12 mil anos, a organização social montou a civilização orientando-se por preceitos que diminuiriam a probabilidade de um amanhã ruim. Charles Darwin, a partir da Teoria da Seleção Natural, coloca como critério fundamental para a sobrevivência a capacidade de se adaptar ao ambiente. 

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O neurocientista português Antonio Damasio, em seu livro A Estranha Ordem das Coisas, reflete sobre a necessidade de sentimentos humanos para a preservação da homeostase, a situação de equilíbrio químico do mundo interno. Quando a homeostase opera no que ele chama de faixa positiva, a pessoa experimenta uma sensação de alegria e bem-estar que reflete em sua saúde, ajudando a mantê-la. Nas situações em que ela atua, no entanto, numa faixa negativa, como ocorre por exemplo em situações de estresse, há a emergência de sentimentos como tristeza, desconforto e, em alguns casos, até dores no corpo. 

E é aqui que entra a ansiedade. Antes de mais nada é importante que se esclareça que há uma relação íntima entre ansiedade e medo. Se este é a representação emocional de um perigo iminente detectada pelo organismo, a ansiedade é um aviso de que precisamos nos empenhar se quisermos garantir a sobrevivência futura.

O psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos, mestre em Medicina pela Santa Casa de São Paulo, diretor e Sócio Fundador do Núcleo Paulista de Especialidades Médicas – NUPEM Foto: arquivo pessoal

Quer ir bem em uma prova? Estude. Seu desejo é perder peso para manter sua saúde? Organize sua dieta e rotina de exercícios físicos. E o que garante que você se esforçará adequadamente? A ansiedade! Aquele estado de humor de valor negativo e altamente desconfortável que funciona como um conselheiro que toda hora sopra em seu ouvido “você está bem-preparado para o evento de amanhã?”. 

Não é à toa que a ansiedade sobreviveu na linhagem humana da seleção natural. Indivíduos com uma ansiedade saudável tendem a ser mais adaptados porque apresentam uma probabilidade aumentada de ter um futuro mais organizado.

Então a ansiedade é uma dadiva? Muita calma nessa hora! Porque como tudo que depende de uma regulação química do nosso corpo, a ansiedade pode sair do controle e se tornar uma doença. Imagine um desequilíbrio tamanho em nossa homeostase que faça você acreditar que o futuro está completamente comprometido e que a você nada resta a não ser sofrer a expectativa da desgraça. 

A doença ansiedade não se baseia em fatos. Ela é apenas uma espécie de contaminação do pensamento que compromete a vida da pessoa. Como reação ao hipotético destino miserável, o corpo responde com medo. Há a liberação interna de substâncias como a adrenalina, que promovem taquicardia, falta de ar, palidez, sudorese, diarreia, tremores e sensação de desmaio. 

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E por que a pandemia piora a ansiedade? Ela promove uma situação de estresse ao comprometer todas as ideias de futuro. O emprego não está mais garantido. A vida de pessoas que amamos, ao menos no curto prazo, é incerta. Nossa sobrevivência também não é tão segura. É a hostilidade do ambiente se somando a uma hostilidade do mundo interno, que pode ocorrer em pessoas vulneráveis para o problema. 

A ansiedade na medida certa é preciosa. Em excesso é insalubre. E no fundo ela sempre nos lembra uma coisa: que por mais que tentemos, nosso controle sobre o futuro nunca será pleno. “Como será o amanhã? Responda quem puder”.

* Rodrigo de Almeida Ramos é psiquiatra, mestre em Medicina pela Santa Casa de São Paulo, diretor e sócio fundador do Núcleo Paulista de Especialidades Médicas – NUPEM

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