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Ana Maria Machado entre adultos e crianças

Ela é uma escritora em que as vocações de escrever para adultos e para crianças se misturam. Recentemente, ela recebeu o Prêmio Machado de Assis, da ABL. No ano passado, o Andersen

Por Agencia Estado
Atualização:

Ana Maria Machado é uma escritora em que as vocações de escrever para adultos e para crianças se misturam. Seus livros infantis, ela própria afirma, estão impregnados de alusões - que as crianças, em geral, só percebem muito mais tarde. Segundo ela, escrever romances é algo especial, embora não seja uma preferência. "O que gosto no romance é que ele me carrega", diz ela, autora de Audácia Dessa Mulher e Tropical Sol da Liberdade, entre outros livros para adultos. Para sempre - Amor e Tempo (Record, 160 págs., R$ 17), sua mais recente obra, sai numa coleção sobre o amor. Leia abaixo entrevista concedida à reportagem. Agência Estado - Uma vez você disse que literatura feminina não existia. Depois, voltou atrás. Para sempre parece ser seu livro mais feminino. Ana Maria Machado - Não sei se é o mais feminino. Hoje, estou convencida de que existe, sim, uma literatura feminina. Acho que Audácia Dessa Mulher é bastante feminino e Canteiros de Saturno também. Já me convenci de que, se falo como mulher, ando como mulher, é claro que também escrevo como mulher. Mas não é algo consciente. Também é seu livro para adultos menos político? Não sei, mas eu acho que é um livro em que as relações entre as pessoas estão em primeiro plano. A grande diferença em relação aos outros romances é que ele é uma novela. Isso significa que ele vai linearmente, segue como um riachinho, sem afluentes. Essa foi uma escolha sua? A coleção é de novelas. Eu estava há muito tempo querendo voltar a uma novela. Ultimamente, estava escrevendo romances bem mais sinfônicos, e uma novela é bem mais melódica. Recentemente, você recebeu o Prêmio Machado de Assis. No ano passado, o Andersen. Qual a deixou mais feliz? O Machado de Assis, porque foi surpresa absoluta. Eu sabia que estava concorrendo ao Andersen, ajudei a fazer o dossiê, a selecionar os livros. Agora, não, fui pega de surpresa. Estava tranqüilamente em minha casa de praia quando o Eduardo Portela (membro da ABL e diretor da Biblioteca Nacional) me ligou. Acho que foi uma alegria maior. Prefere escrever para adulto ou para crianças? Não tenho preferência. É sempre um problema de linguagem que quero resolver. Há pouco, fiz um para crianças que me deu um prazer imenso. Chama-se Abrindo Caminhos, deve sair no ano que vem. É um livro depurado, raras vezes escrevi um livro tão curto, em número de linhas, uma frase ou pouco mais por página. O que gosto no romance é que ele me carrega. Entro nele e perco o controle. Tem alguns infantis que também me levam. O que significa perder o controle? Fico menos consciente do que estou fazendo, faço-me mais humilde diante da força do inconsciente. É uma experiência muito boa, como sonhar. Às vezes, é assustador. Os escritores para adulto lhe inspiram quando você escreve para criança? E os de livros infantis, quando escreve para adultos? Tudo o que faço é cruzado. Sou adulta com memórias de criança, mas sou uma adulta, minhas leituras são de adulta. Meus textos para crianças sempre estiveram impregnados por alusões a outros livros. Em Para sempre, em alguns momentos, tem-se a sensação de estar lendo uma escritora de livros infantis. O fato de ter escolhido uma personagem que é professora de literatura traz esse peso de ser uma pessoa que está falando com jovens. Queria escrever um diálogo entre um ensaio e uma novela, e a maneira era ter um personagem que fizesse isso. O livro fala especialmente com as mulheres... É o público que lê. Homem não lê literatura, salvo pouquíssimos e maravilhosos, que são os que me interessam. A grande maioria dos homens lê romance de espionagem ou de luta, quando não lê apenas as coisas utilitárias para a profissão. Por que isso ocorre, na sua opinião? Os homens já leram, em outras gerações. Mas, hoje, a vida está muito competitiva, acham que é perda de tempo, é um mistério. Abriram mão de uma conquista: o poder de imaginar. Parecem estar treinados, desde o ensino médio, que orienta demasiadamente para ciência e tecnologia e pouco para as humanidades e para as artes. Por que você decidiu misturar os gêneros ensaio e novela para essa leitora? Não foi "para essa leitora", não escrevi para mulher, não me interessa escrever com destinatário certo. Eu sei que é mulher quem vai ler. Eu comecei a escrever e ele virou isso. Acho que é porque eu quase não aceitei fazer. Primeiro, não queria porque era de encomenda. Aí, insistiram, pediram algo curto. Quando falaram novela, me interessei, mas não queria nenhum dos temas que me ofereceram. Fiquei com aquilo na cabeça, e até pela resistência em fazer ficção de encomenda, comecei a dizer a mim mesmo: se fosse ensaio, seria mais fácil. Fui jornalista, você sabe, faz-se uma reportagem sobre qualquer coisa. Fiquei pensando: como haviam sido meus últimos livros. Olhei de fora, com olhar crítico. Vi que todos eles falavam de outras histórias já feitas, sempre dialogam com outra obra literária. É assim, por exemplo, Alice e Ulisses, com o Lewis Caroll, Homero e James Joyce. Percebi que isso era capaz de fazer: uma história que dialoga com outras histórias. E decidi que o que me interessava era o tempo. Você já disse que só escreve para criança quando não está pessimista. Como está hoje? Quando estou muito mal, não consigo escrever para criança. Mas, quando estou otimista, posso escolher. Atualmente, não estou nem um pouco pessimista. Por que está otimista, então? Não estou otimista. Tenho uma visão crítica sobre a escola, por exemplo. Mas sei também que nunca tanta gente no Brasil esteve na escola. A qualidade não é a mesma de antes, quando ela preparava só uma elite, mas o fato de que temos lá muito mais do que uma elite é bom. Vivemos um momento em que as coisas são mais complexas do que apenas mocinho e bandido, preto-e-branco. Mas o maniqueísmo das histórias infantis clássicas, em que nunca embarquei, graças a Deus, está sendo usado hoje pela imprensa para falar do Brasil. E por que a imprensa cai nesse conto de fadas? Porque está menos preparada. Antigamente, os jornalistas eram poucos, geralmente autodidatas, detinham um certo saber e tinham uma atitude erudita sobre a realidade. Hoje sai gente formada de escola de comunicação que não leu nem Monteiro Lobato, quanto mais Sérgio Buarque, Raymundo Faoro, etc. Chegam às redações, acham que tudo está começando. Não têm termo de comparação. Isso não é necessariamente ruim, porque se democratizaram as oportunidades de se chegar ao jornal. Estamos numa transição, e espero que, com o tempo, os que têm mais talento se destaquem, não apenas porque nasceram melhor.

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