Ana Frank, diário e peça

PUBLICIDADE

Por Sábato Magaldi
Atualização:

A transformação de um diario em peça é das tarefas que parecem, à primeira vista, intransponiveis. O diario vive de confidencias, do remoer intimo de sentimentos e reflexões, da passagem do cotidiano, em que um episódio menos importante assume, às vezes, perspectivas mais amplas do que um fato que se reconhecerá, depois, capital. As idas e vindas de um diario estão distantes do que pode ser considerado a técnica comum do teatro - a escolha de acontecimentos reveladores, o desenvolver de uma ação privilegiada, as famosas unidades aristotélicas que, por tantos seculos, acorrentaram a dramaturgia. O equivalente moderno da encenação simultânea da Idade Media, que seria a ausencia pura e simples de um espaço único, traz o risco de fragmentar em demasia o processo dramatico, com uma consequente aproximação da tecnica do cinema, que em nada pode indicar o futuro caminho do teatro. Nunca nos ocorreria imaginar, no palco, o fabuloso "Diario intimo", de Amiel, irrecusavel padrão do genero.No caso do "Diario" de Ana Frank, porém, as circunstancias são diversas. O quadro está talhado à semelhança das antigas tragedias, guardando delas até pormenores de estrutura. Para fugir à perseguição nazista, oito judeus escondem-se, em 1942, em Amsterdão, na parte superior de um escritorio, dissimulada a porta por um armario. Lá, vão viver obrigatoriamente unidos durante dois anos, até que a "Feld-Polizei" os mande, menos de um ano antes de acabar-se a guerra, para os campos de concentração.O esquema tecnico de uma tragedia, com exceção da unidade de tempo, pode ser facilmente reconhecido: o cenario unico, em que os individuos tentam escapar a um destino implacavel, e que acaba por engoli-los, no fim; o desejo comum de não serem descobertos pelos alemães, estabelecendo a unidade de ação, embora ela se caracterize pela presença passiva; e a propria unidade de tempo parecendo preservada, se considerarmos a guerra globalmente, como um fator que separa o antes e o depois. (...)Na adaptação ao palco, os norte-americanos Frances Goodrich e Albert Hackett foram honestos e eficientes, faltando-lhes apenas aquela centelha de talento que poderia ter feito do "Diario de Ana Frank" uma obra-prima do palco. Quanto à historia, as pequenas mudanças impunham-se, em beneficio da concentração. Elas existem desde a escolha de episodios e sua continuidade, diferente da vida real, até as ligeiras alterações biográficas.Leia a íntegra deste texto

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.