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Amor e dor em Arrabal

Espetáculo de Gustavo Santaolalla sobre ditadura argentina deve estrear em SP

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil e BUENOS AIRES
Atualização:

Vencedor de dois Oscars pelas trilhas sonoras de O Segredo de Brokeback Mountain (2006) e Babel (2007), o compositor argentino Gustavo Santaolalla transita com facilidade no mundo da música internacional. À frente de seu grupo Bajofondo, exaltou a multiplicidade do tango, patrimônio de seu país, o que expandiu ainda mais os limites da admiração por seu trabalho. Mas, mesmo com tamanho reconhecimento (sua estante abriga ainda dois Emmys e um Globo de Ouro), Santaolalla não se sentia satisfeito. "Eu precisava mostrar, por meio da arte, momentos terríveis sofridos pelos argentinos durante a ditadura militar", disse ele que, por conta disso, começou, há quatro anos, a trabalhar em Arrabal.Trata-se de um musical para ser encenado no palco, em que, a partir da história de uma garota chamada Arrabal, Santaolalla toca em uma ferida ainda não cicatrizada: os desaparecidos durante a ditadura argentina (1976-1983) que, por conta de cálculos imprecisos, tanto podem ser 9 mil como 30 mil. E, a fim de que o aspecto político não dominasse totalmente o espetáculo, Santaolalla foi ousado: Arrabal não tem diálogos e sua história é contada por meio da dança e do tango, executado ao vivo.A ideia conquistou a GEO Eventos, empresa brasileira atuante nas áreas de entretenimento, esportes e negócio, que, aliada à sua parceira Base Entertainment (produtora e gerenciadora internacional de propriedades intelectuais), decidiram viabilizar o musical, que deverá estrear em São Paulo em março de 2013 - estão previstas também temporadas em Nova York e Buenos Aires. Os ensaios começaram no ano passado e, no último fim de semana, na capital argentina, Santaolalla apresentou um workshop em um grande salão de dança, presenciado pelo Estado, além de executivos das duas empresas e ainda convidados especiais, como Marisa Monte (veja abaixo). Foi uma grande comoção - por meio de uma dança vigorosa, com passos caprichosos e de difícil execução, aliado a um tango que variou do tradicional a uma mistura com o rap, o espetáculo manteve o tom político com sobriedade, impondo-se como obra artística acima de tudo. Com isso, levou o público às lágrimas.Avesso a toda fórmula, Gustavo Santaolalla não se desvia de seu objetivo - a experimentação musical. Em Arrabal, ele utiliza o tango como uma forma extraordinária de relato urbano, reconstruindo tangencialmente a estrutura dos sentimentos de uma nação sofrida, mas lutadora. O musical começa com a exibição, em um telão, de diversos momentos da história argentina, desde conquistas no futebol (a controversa vitória na Copa de 1978) a cenas de manifestações e a resposta truculenta do governo militar.É um pano de fundo para o espectador se localizar e acompanhar a trajetória de Arrabal, menina nascida em 1976, mesmo ano em que seu pai, Rodolfo, é preso pelos militares. Criada pela avó (que se transforma em uma das célebres mães da Plaza de Mayo) e amparada por Puma, amigo da família e dono do bar onde Rodolfo foi detido, ela cresce sem saber do destino do pai.Em sua travessia, Arrabal descobre o amor (um dos momentos mais calientes do musical) até se apaixonar pelo jovem Juan. Nesse momento, quando a Argentina já vive a redemocratização e busca punir os generais assassinos, ela descobre, por meio de Puma, o que realmente aconteceu a Rodolfo. "O musical precisava ter cenas fortes, pois também assim foi a nossa história", conta Santaolalla.O tango virtuosístico exigia uma resposta física. Julio Zurita criou, então, uma coreografia cuja base são os passos primais do tango que, dependendo da intenção da cena, vão desde a manifestação sentimental do submundo portenho ao retrato da violência política. Assim, com um material musical e coreográfico tão precioso nas mãos, o diretor Sergio Trujillo decidiu fincar a concepção do espetáculo na Argentina. "Não faria sentido se utilizássemos bailarinos americanos ou brasileiros: era preciso que Arrabal fosse interpretado por argentinos, que sentiram na pele o que se passa na história", disse ele, colombiano que constrói sólida carreira na Broadway - sua versão de Flashdance para o palco, por exemplo, estreia no próximo mês em Nova York.O pedido foi acatado. "É com esse elenco (são 18 bailarinos/atores, além de uma banda com cinco músicos) que o espetáculo justamente funciona", observa Leonardo Ganem, diretor-geral da GEO Eventos. "E seu apelo, por ser mais universal que político, certamente vai agradar a plateias tão distintas como americanos, brasileiros e argentinos", completa Scott Zeiger, da Base Entertainment.Evitar a predominância do tom político, aliás, justifica a estratégia de estreia de Arrabal. "Preferimos que a temporada começasse em São Paulo, pois, se fosse em Buenos Aires, talvez sua história de amor ficasse em segundo plano", comenta Marcelo Frazão, diretor executivo da GEO, que já pesquisa locais na capital paulista.

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