Americanos e russos levaram escritor à tela

Melhor versão cinematográfica de Guerra e Paz é uma co-produção entre Itália e EUA dirigida por King Vidor

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Por Agencia Estado
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Foi o penúltimo filme dirigido pelo rei Vidor e, para o próprio autor, seu testamento cinematográfico, já que ele não gostava muito do último, Salomão e a Rainha de Sabá, prejudicado pela morte do astro Tyrone Power em plena rodagem. Mas King Vidor tinha o maior apreço por Guerra e Paz. Considerava sua versão da obra-prima de Leon Tolstoi digna e gostava de pensar que Pedro, o personagem interpretado por Henry Fonda, era ele próprio. Na verdade, Vidor reconhecia que Pedro era Tolstoi, mas admitia o parentesco "porque todos buscamos a verdade", como disse numa entrevista. Guerra e Paz, a versão de King Vidor, deve tanto a Tolstoi quanto a Stendhal. Se você leu A Cartuxa de Parma, deve lembrar-se - é uma das páginas célebres da história da literatura - de Fabricio Del Dongo atravessando a batalha de Waterloo. Pedro também atravessa o campo de batalha quando as forças de Napoleão Bonaparte invadem a Rússia. A cena é espetacular: o romântico e pacifista Pedro passeia no campo, colhe uma flor. Ouve-se o rumor da batalha, a flor cai no chão e a câmera descortina o cenário do encarniçado combate. Tolstoi compartilhava com Stendhal a crença de que uma grande batalha é necessariamente caótica, sem propósito nem sentido. Os estrategistas militares vão dizer que não, vão fazer uma análise objetiva da guerra como fenômeno social. Tolstoi, como artista, tinha outra percepção do fenômeno. Ao contrário de Hegel, achava que razão e história se excluem. Encontrou na guerra a melhor demonstração de sua tese. A história, por estar marcada pela guerra, liga-se à desrazão. Há obras literárias às quais se aplica a definição de catedrais, por sua grandiosidade. Marcel Proust erigiu uma dessas catedrais: Em Busca do Tempo Perdido é a catedral literária por excelência. Mas há também a catedral de Tolstoi e essa é Guerra e Paz. O livro começa como romance aristocrático, prossegue como epopéia nacional russa e se encerra como teoria sobre a guerra. Não admira que tenha virado filme. Ou melhor, filmes. Houve a versão de King Vidor e ela é a melhor, embora submeta a complexidade do romance a uma certa edulcoração. Houve, a seguir, a versão russa de Serguei Bondartchuk, o último stalinista do cinema soviético. Na Guerra e Paz dele, cada vez que se pronuncia a palavra ?Rússia? entram sinos e coros na trilha sonora. O problema de Bondartchuk é que, por ser sua versão oficial, ele não podia tomar nenhuma liberdade em relação ao original. Seu filme é solene, nos limites do tedioso, por mais grandiosas que sejam as cenas de batalhas. King Vidor, trabalhando para um consórcio ítalo-americano formado pelos produtores Dino De Laurentiis e Carlo Ponti, foi mais feliz. A história de amor de Pedro e Natasha permite-lhe retomar o tema da segunda chance, tão caro ao seu cinema. Até Woody Allen, com seu amor pelos russos, fez a sua Guerra e Paz. Chama-se, no original, Love and Death e no Brasil passou como A Última Noite de Boris Grushenko. É divertida.

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