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Americanos aderem ao rigor do bolshoi

Treinos exaustivos e idioma estranho não afastam jovens do seu sonho

Por Clifford J. Levy
Atualização:

 

Aventura. Julian MacKay, de 12 anos, saiu de Montana para enfrentar treinos, críticas e exigências seis dias por semana

 

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          A cortina rosa do revival de Esmeralda do Balé Bolshoi subiu e, logo, rapazes e moças tomaram o palco numa dança animada. Eles são o futuro do balé russo, herdeiros de séculos de gloriosa tradição russa, uma elite de poucos escolhidos de toda a Rússia.

Com a exceção de um, que vem de Montana. Não faz muito tempo, Julian MacKay estava recolhendo ovos das galinhas no quintal de casa em Bozeman, mas sua vida virou de cabeça para baixo quando se mudou para esta terra estranha com sua língua mais estranha ainda para perseguir seu sonho. Aos 12 anos, ele fazia a sua estreia no balé em Moscou. Ao sair do palco, deu uma espiada na plateia. "Foi aí que caiu a ficha de que eu estava mesmo ali, um americano no Bolshoi", confessou ele.

Os destaques do balé costumavam ser principalmente russos ? Baryshnikov e Balanchine, Godunov e Nureyev ? que iam (ou desertaram) para o Ocidente. Agora, porém, jovens americanos se aventuram como aprendizes na escola, um campo de treinamento exaustivo de muitos dos grandes do balé russo.

Julian está entre os mais jovens, mas há outros, como a texana, Joy Womack, que chegou com 15 anos e se tornou uma das melhores alunas de sua turma. A companhia, formalmente chamada Academia Estatal de Coreografia de Moscou, foi criada em 1773, e embora aceite alunos estrangeiros, não pretende mudar seu modo de ser. Assim, não houve para Julian e Joy intérprete de russo, nem sessões preparatórias. Foram atirados junto com alunos que tinham anos de imersão nas exigentes escolas de dança russas.

Julian e Joy tinham acumulado muita experiência ao estudarem em importantes centros de dança dos EUA, mas os instrutores do Bolshoi falaram que seus músculos não estavam bem desenvolvidos, a técnica era desleixada... "Os padrões e a ética do trabalho são tão rigorosos na Rússia que não há espaço para falhas, ócio, para ser gentil quando não é apropriado", contou Joy. Eles vieram para Moscou como parte de programa patrocinado pela Russian American Foundation, organização sem fins lucrativos em Manhattan.

A academia fica num prédio sombrio da era soviética e suas paredes estão forradas de fotos de graduados ilustres.

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É uma estatal com cerca de 750 alunos em tempo integral com idades de 10 a 18 anos. Entre eles estão cerca de 90 estrangeiros de países como Japão, Grã-Bretanha, Finlândia e Grécia. Os russos estudam de graça; os estrangeiros pagaram US$ 18 mil cada um este ano. Um sufoco para as famílias de Julian e de Joy.

Uma visita a uma das aulas de dança de Julian prova a intensidade de seu dia. Sua professora, Olga Voymarovskaya, disparava comandos em russo para uns 10 garotos num estúdio. Fazia caretas, balançava a cabeça e punha braços e pernas dos meninos na posição certa com palmadas. E apontou erros em Julian, cujas pernas ela reposicionou, dando tapinhas na sua nádega. Mais tarde, ela o elogiou.

Joy tem boa convivência com uma de suas principais professoras, Natalya Arkhipova. "Nunca tive ninguém que me dissesse: "Use seus músculos da bunda, use seus ombros e os músculos abdominais", ressaltou Joy.

Contatos. Ilya Kuznetsov, um instrutor do Bolshoi, garantiu que a prática rigorosa e o contato físico ajudam a explicar por que seus bailarinos brilham. Recordou que quando trabalhou na Califórnia era tabu professores tocarem em alunos de balé. Ficou espantado de saber que precisava de seguro de US$ 2 milhões para o caso de algum pai ou mãe o processar. Sobre os alunos da companhia, Kuznetsov disse: "Posso exigir muito, e mesmo assim eles ficarão felizes."

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As crianças russas reagiram com curiosidade a Julian e Joy. Yuliya Artamonova, a melhor amiga russa de Joy, admitiu: "Ela é excepcional. Não há muitas que trabalhem tão duro assim." Yuliya fala inglês com dificuldade, mas o russo de Joy melhorou e elas se comunicam bem.

Na academia, são de três a oito horas por dia de ensaio puxado, seis dias por semana, além das aulas escolares. Os estrangeiros também aprendem russo.

Julian vive num apartamento em Moscou com sua mãe e um irmão. Joy, hoje com 16 anos, tem maturidade e disciplina de alguém bem mais velho. Ela se mudou para a Rússia sozinha e vive no dormitório com alunas russas e estrangeiras. Longe de sua grande família, ela nada lamenta, mas confessou que às vezes bate a solidão.

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A aventura de Joy quase desmoronou no inverno. No dia de importante apresentação, sentiu uma dor lancinante no pé, mas, mesmo assim, dançou. Mais tarde, soube que teria de operar uma lesão óssea comum em bailarinos. Mas não tinha dinheiro e seus pais disseram que não tinham como ajudá-la. Ela teria de voltar para casa. "Fiquei desesperada", lembrou. No dia seguinte, em sua igreja em língua inglesa em Moscou, um paroquiano se ofereceu para pagar a intervenção. Ela foi operada e se recuperou em um mês.

Futuro. Seus professores revelaram que ela vem sendo preparada para um papel importante em produção com adolescentes. Para Joy, o importante é ficar aqui até se formar na academia e se tornar uma das novas estrangeiras a participar da instituição própria do Bolshoi.

E ela se lembrou da primeira vez que fez uma apresentação na companhia. "Mudei minha perspectiva sobre dança. Quero ser russa. A Rússia me chama."

Para Julian, a escola também sempre exerceu forte atração sobre ele, que é grato por seus professores não terem desistido dele. "Houve momentos em que eu achei que não conseguiria fazer as coisas direito. Mas se não tivesse vindo para cá, eu seria um bailarino medíocre. Quero ficar aqui o máximo que puder." TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

 

 

 

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