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Amelita Baltar e sua música feita de paixão

Com o Ballet Stagium, cantora argentina apresenta espetáculo Tangamente

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Diva.

"Tango nasce de necessidade visceral de expressão"

 

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Houve um tempo, de sua vida e carreira, em que Amelita Baltar pôde dizer que foi uma das mulheres mais odiadas da Argentina. Antes disso, fora amada como cantora de músicas folclóricas, não as mais populares, as que se aplaudem com facilidade, mas as mais exigentes, ligadas à pesquisa estética (e sonora). Sua voz, como ela diz, nunca teve um alcance muito grande, mas o timbre e a dramaticidade chamaram a atenção de um certo Astor Piazzolla, que viu nela a intérprete perfeita para sua ópera-tango, com libreto de Horacio Ferrer, Maria de Buenos Aires. Amelita ligou-se, na arte e na vida, a Piazzolla e, justamente por causa dessa parceria, muitos argentinos, que antes a amavam, passaram a odiá-la.

Piazzolla era chamado de assassino do tango tradicional e Amelita era o instrumento, a voz de que ele se valia para isso. Ela se recorda dessas coisas num hotel do centro de São Paulo, enquanto toma café com o repórter. Pede um ‘cortado’, com um pouco de leite, porque o café brasileiro é forte e ela quer se acostumar devagar. Amelita chegou na quarta e, no fim da tarde, já ensaiava para participar, hoje, da edição deste mês do Conexão Latina, projeto que, há cinco anos, promove o encontro de artistas e grupos latino-americanos que sobem ao palco do auditório Simon Bolívar, no Memorial da América Latina, para estabelecer um diálogo musical. A ideia é revelar o que há de comum entre suas composições, interpretações, arranjos e performances.

 

O espetáculo desta noite se chama Tangamente e promove o encontro de Amelita com o Ballet Stagium. Ela canta e o grupo dança as coreografias que Décio Otero criou para as composições de Piazzolla e que coloca no mesmo patamar das criações de grandes compositores clássicos, como um prelúdio de Beethoven. Amelita está contente de voltar à cidade - e ao País - que, no começo dos anos 1970, quando os argentinos ainda discutiam o que Piazzolla estava fazendo com o tango, acolheu a dupla com entusiasmo. Lembra das casas cheias e dos aplausos frenéticos em São Paulo, Rio e Porto Alegre. O Brasil, lhe dizia Piazzolla, é um país de muito ritmo e não teme o novo.

 

Elis, Elis... Amelita se lembra da troca com grandes artistas, as grandes cantoras da época: Elis, Elis, Elis... Elas combinaram que iriam gravar um disco juntas, no mês de março. Em janeiro seguinte, Elis se foi ‘em turnê’, como prefere dizer, usando a metáfora de que se valem os argentinos para a morte de grandes artistas. A parte ‘(en)cantada’ de Tangamente começa com um Carlos Gardel, El Dia Que Me Quieras, e depois é puro Piazzolla, quase sempre em parceria com Ferrer. Los Paráguas de Buenos Aires, Balada para Mi Muerte (a favorita da cantora), Vamos Nina, No Quiero Outro, Balada para Um Loco, Prelúdio para el Año 3001. A exceção é um Piazzolla sobre texto de Pablo Neruda, Canción para Matil.

 

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Há 38 anos que Amelita canta tango e tenta decifrar o mistério dessa música feita de paixão, celebrando uma cidade. O tango é indissociável de Buenos Aires e nasce de uma necessidade visceral de expressão. Ernesto Sábato, ela lembra, dizia que o tango é uma experiência ‘de uno’, no sentido de que o que canta do amor, do desejo, da dor é sempre a expressão de uma individualidade. O tango não é uma música ‘coral’. Há tempos investiga esse universo, ministrando cursos e master classes. Queixa-se das novas gerações do tango. Não que faltem grandes cantoras, mas elas berram mais do que interpretam e o tango tem de vir de ‘dentro’, como música da alma.

 

Você pode ficar horas conversando sobre música - e tango - com Amelita Baltar e ela vai lembrar, claro, de Piazzolla, grande músico, mas também de Ferrer, grande letrista - poeta.

 

Quando não está em turnê, como agora - e ela promete voltar, com sua banda, em julho, Amelita Baltar leva uma vida tranquila na capital argentina, no bairro de Recoleta, onde nasceu, há 70 anos. Fidelidades amorosas são mais difíceis, ou complicadas. Ela se mantém fiel ao bairro em que seus pais viveram, ao País - o Brasil - que a recebeu tão fidalgamente. Viaja muito. À Europa, ao Japão. Acaba de fazer um espetáculo com outra dama do tango, Susana Rinaldi, e também com Marikena Monti.

 

A voz mantém o timbre inconfundível e ela sabe ser dramática mesmo numa conversa informal. O cinema é um de seus divertimentos favoritos e ela acompanha a boa fase do cinema argentino. Mas o repórter a pilha numa falta grave, e ela ri. Amelita não viu O Segredo de Seus Olhos, de Juan José Campanella, que ganhou o Oscar. Seus amigos se dividiram. Muitos gostaram, outros não. O repórter soma sua voz ao coro dos que elogiam. Ela promete ver. Em julho, daqui a pouco, quando regressar, será cobrada. "Verei", garante.

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