Depois de uma trajetória de mais de 50 anos de carreira, a artista plástica Amélia Toledo está esbanjando um entusiasmo de estreante. "Estou muito contente por poder fazer um trabalho para uma população inteira", orgulha-se a artista do seu mais recente projeto, idealizado para a cidade de São Paulo. Trata-se da intervenção artística que está sendo instalada no Complexo Viário João Jorge Saad, mais conhecido como Cebolinha, na Avenida 23 de Maio. O Parque das Cores do Escuro, título da obra, será formado por vários tipos de pedras do subsolo brasileiro, todas em grandes dimensões. "O novo ambiente vai proporcionar à população espaços de contemplação e pontos de referência visual que despertem alegria e bem-estar", define Amélia. Basicamente, o projeto inclui duas propostas. A primeira é um parque que comporta quartzos, quartzitos de variadas colorações, granitos, mármores, amazonitas, fucsitas, calcitas, sepertinitos, magnesitas e dolomitas, entre outros minerais. Pedras em forma de nuvens, de bichos, blocos que se assemelham a um sofá, caminhos para que as pessoas possam passar pela obra que convida a população a se sentar nas pedras ou se deitar nelas, enfim, oferece à população "a oportunidade de um contato visual e tátil", como se fosse uma extensão do Parque do Ibirapuera. A outra proposta é o projeto de programação cromática da construção viária assinada pela arquiteto José Paulo de Bem. Para evidenciar a estrutura metálica de sustentação dos viadutos, Amélia pensou em usar na pintura, que ainda está em sua fase inicial, um novo tipo de tinta. O pigmento de reflexo, sugerido por Alfredo Nogueira, "nos faz ver cores diferentes conforme o ângulo de incidência da luz ou conforme nosso deslocamento", segundo as palavras da artista. O projeto público vem sendo criado há três anos e acompanha, desde seu início, o plano paisagístico estipulado pela Empresa Municipal de Urbanização da Prefeitura de São Paulo (Emurb). Aliás, esse é um ponto bem reforçado por Amélia, ou seja, o caráter de sua intervenção artística ser uma "extensão do projeto paisagístico" de autoria de Sérgio Marin, que prevê a criação de um espaço para a circulação de pedestres. Entretanto, Amélia assina seu projeto de intervenção por meio de sua empresa de produção, a Tria, formada por ela, seu filho Moacyr Toledo, e sua nora, Ana, e voltada para as obras públicas. A Tria foi a responsável pelo desenvolvimento de todo o projeto da Estação Arcoverde em Copacabana, no Rio. Inaugurada em 1998, a intervenção conta com um piso formado por cerca de 180 tipos de granito, além de painéis de pedra coloridos e uma fonte de água com um bloco de quartzo rosa, esta uma homenagem ao amigo e crítico de arte já morto, Casimiro Xavier de Mendonça. Outra intervenção pública é a abrigada na Estação Brás de metrô, em São Paulo, inaugurada um ano depois. Placas de dois metros de aço curvado foram escovadas, outras polidas ou pintadas de azul e violeta, formando esculturas abrigadas no local. Amélia prefere dizer que essa intervenção pode ser mais considerada como uma instalação, justamente pelo fato de não ter sido idealizada com o projeto arquitetônico do local. "A estação já estava pronta, é diferente", diz. No novo projeto para o conjunto viário, Amélia foi convidada desde o começo da construção. "Acho que meu trabalho hoje trata de programação, organização e transformação de ambientes, processo ligado intimamente ao projeto arquitetônico do lugar, com o objetivo de que tudo se torne uma coisa só." Seguindo essa premissa, a artista conta que já está confirmado que ela será responsável por uma intervenção para outra estação carioca, a Siqueira Campos. Consciência - Segundo Amélia Toledo, o trabalho do Parque das Cores do Escuro está "impregnado de uma atitude que é trazer para dentro da cidade, para o habitante da cidade, a consciência de que ele mora em um planeta. O cidadão contemporâneo esqueceu que está dentro da cidade, parece que ele é uma espécie à parte, uma abstração." Melhor ainda é estimular essa consciência por meio de um ambiente aberto, que tenha como princípio deixar as pessoas à vontade. E a pedra foi o meio que a artista achou mais certeiro para exprimir essa idéia. A pedra é um material que, só por sua presença em estado bruto, se impõe - até mesmo neutralizando o vandalismo contra a obra. Ademais, "a presença das pedras deve traduzir o gesto de trazer à luz esses blocos de matéria colorida guardados no escuro das profundezas da Terra", escreve a artista. E essa idéia não seria só passada para os pedestres, mas também para os transeuntes motorizados que circulam no complexo viário e na Avenida 23 de Maio. Outro problema que Amélia quer trazer à tona é a comercialização de pedras. "Edifícios em outros países são feitos com quartzo brasileiro. Esse trabalho é até um alô para isso." Como extensão dessa idéia, Amélia já pensa em concretizar a Escola da Pedra para ensinar adolescentes de uma favela ou região a trabalharem artesanalmente a pedra, talvez possibilitando-lhes uma profissão. Pode-se dizer que o ponto em que Amélia Toledo, de 75 anos, considera atualmente o mais importante na sua carreira são esses projetos públicos. "Passei muito tempo fora do mercado de arte, fazia questão de não viver do meu trabalho, achava que a arte não se vende. Mas hoje mudei. A sociedade deve manter o artista que produz cultura para ela", diz. Um livro sobre todo o seu trabalho está sendo preparado com textos de Agnaldo Farias e Vera D´Horta.