Amado: acima de tudo um autor popular

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Por Agencia Estado
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O mais famoso escritor brasileiro, o maior best seller do País. Um escritor polêmico, um ícone do Brasil lá fora e da Bahia aqui dentro. Jorge Amado era, sobretudo, popular. Em dois sentidos: era o autor que esgotava edições e batia recordes de vendagens, era o autor que mais se aproximou do povo brasileiro, como criador de personagens, como pintor de cenários, como construtor de enredos cuja constante era a gente do povo. Também como político, embora cerceado pelas diretrizes estreitas do Partido Comunista da era stalinista, e como intelectual nas suas últimas décadas, o povo brasileiro era sua preocupação. E recebia dele o reconhecimento espontâneo, das ladeiras do Pelourinho às recepções da Academia Brasileira de Letras. Jorge tinha um "projeto Brasil" meio indistinto, mas que na verdade poderia ser resumido na integração e união de brancos, negros, pardos, amarelos, vermelhos e sabe-se lá quem mais constitui a população brasileira. Uma união que incluia também o fim, ou pelo menos a redução, das desigualdades sociais. Ele não viu isso acontecer, da mesma forma que nunca recebeu um prêmio Nobel. De todo modo, Amado foi o único brasileiro várias vezes indicado, desde os anos 70, para o Comitê do Nobel. A crítica sempre se dividiu quanto a Jorge Amado. Ele surgiu como um dos pilares do chamado "romance regionalista de 30", o primeiro momento significativo da literatura brasileira depois da revolução modernista de 1922. Com Rachel de Queiroz, José Lins do Rêgo e Graciliano Ramos, formou o santíssimo quarteto dos escritores que fixaram em ficção contundente e competente a realidade nordestina, dos senhores da terra aos descendentes de escravos, da riqueza e decadência dos ciclos da cana e do cacau aos males da seca e da miséria. Quando Jorge ganhou o adjetivo "comunista" para seu ofício de "escritor", teve de fazer obras de encomenda e de sujeitar sua atividade criadora às ordens partidárias. Obviamente, isso fez muito mal à sua ficção, tornando-a quase irreconhecível. Mas, depois que a política deixou de ser o ingrediente mais importante do seu acarajé, ele escreveu como nunca. cada romance ou novela que publicava, mostrava-o em total empatia com o seu público. Na maturidade, o marketing editorial obrigou-o a concessões mas ele se refugiou num nicho bem-humorado, em que o saber contar histórias nunca foi abandonado. Rebelde - Jorge Leal Amado de Faria completaria 89 anos no dia 10 de agosto. Seu nascimento e sua infância aconteceram em uma fazenda de cacau em Itabuna, no Sul da Bahia. Aos 11 anos seus pais o colocaram no Colégio Padre Vieira, mantido pelos jesuítas em Salvador. Um padre, encantado com uma redação de Jorge o iniciou nos autores clássicos portugueses e em romancistas britânicos como Walter Scott, Jonathan Swift e Charles Dickens, decisivos para sua vocação. Mas Jorge se impacientava com a rígida disciplina do colégio, a ponto de ter fugido, aos 13 anos. Desde Salvador, atravessou a pé todo o sertão do Norte da Bahia, até chegar à fazenda do avô em Sergipe. Aos 16 anos, em 1928, é que o modernismo literário, lançado com estrondo em São Paulo, em 1922, o alcançou. Em Salvador havia duas novas correntes literárias, os que se opunham à retórica requintada de Ruy Barbosa e os que faziam literatura panfletária contra os poderosos do Estado. A estes últimos o jovem Jorge se filiou, porém adotando a nova forma de escrever dos primeiros. Primeiro romance - Em outubro de 1930 assistiu, na então capital da República, à tomada do poder por Getúlio Vargas. Na comoção política que se seguiu, conseguiu os certificados sem prestar exames e se matriculou na Faculdade de Direito do Rio. Foi colega do futuro historiador Hélio Vianna e do futuro jornalista Carlos Lacerda. Aos 19 anos, lançou o que considerou seu primeiro romance, O País do Carnaval. Nessa época, começou a freqüentar círculos esquerdistas. Lançou Cacau, em 1933, aos 21 anos, um romance sobre as duras condições de vida e de trabalho dos cacaueiros, que esgotou depressaduas edições e foi apreendido como "subversivo" pela Delegacia de Ordem Política e Social do então Distrito Federal. Com isso, Amado alcançou a ressonância internacional, pois logo depois seu livro foi publicado na União Soviética. Proletários ou populares - Já ligado aos comunistas, lançaria de 1934 a 1937 romances proletários ou populares urbanos, com grande presença de personagens negros, até então pouco usuais na literatura brasileira, como Suor, Jubiabá e Capitães da Areia. Mar Morto, de 1936, um dos livros-temas da novela Porto dos Milagres, é um corpo estranho na obra de Jorge, uma espécie de poema lírico em prosa. No total, Jorge Amado vendeu mais de 20 milhões de exemplares de todos os seus livros. Dentre eles (são mais de 30 obras), Capitães da Areia, sobre meninos de rua em Salvador, é até hoje sua obra mais vendida. O livro foi concluído na Argentina, onde Amado se refugiou da ditadura do Estado Novo, instaurado em 1937, Andou pelas Américas, até os Estados Unidos e após sucessivas prisões e exílios, confinou-se à Bahia. Em 1946, foi eleito, pelo Partido Comunista, como deputado à Assembléia Constituinte, onde apresentou projetos que garantiam a igualdade racial e dos cultos religiosos. A era da alegria - No clima de liberação e autocrítica entre os comunistas que se seguiu ao 20.º Congresso do PC Soviético, em 1956, Jorge Amado iniciou uma fase nova de sua carreira em 1958, com o lançamento do romance Gabriela, Cravo e Canela. Era uma farsa picaresca sobre a bela mulata que conquista o patrão, um árabe dono de restaurante em Ilhéus. O sucesso imediato da obra contribuiu para levar Jorge Amado à Academia Brasileira de Letras em 1961. O sucesso internacional, antes ligado a editoras comunistas, intensificou-se agora pela difusão de um Brasil alegre e descontraído, diferente da Europa carrancuda e cansada de guerras. O novo estilo, em que os pobres não aparecem mais como oprimidos e sim envolvidos numa luta em que as armas são sexo e malandragem, foi ainda mais consagrado em obras como Velhos Marinheiros, de 1962; Os Pastores da Noite, de 1964; Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1966; Tieta do Agreste de 1977. São obras picarescas, sobre peripécias na vida de tipos populares, como marinheiro e prostitutas - pelas quais Amado nutre carinho especial -, violência no campo, sincretismo de religiões. Amado possuía casas em Salvador e Paris, recebeu muitos prêmios e condecorações , desde o Prêmio Stalin até a Legião de Honra da França. Além do prêmio Camões, o maior para autores de língua portuguesa. Jorge Amado teve amigos incontáveis. E, cada um dos seus leitores se sentia íntimo dele, como um parente versado em histórias gostosas, e dedicado a suas paixões. Entre elas os cachorrinhos pug Mr. Pickwick e Capitu.

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