27 de outubro de 2010 | 00h00
E o que Hoffmann, Beethoven e o nascimento dos explicadores nas primeiras décadas do século 19 têm a ver com o Festival Música Nova e com o concerto de quarta-feira passada no SESC Anchieta? Tudo. Se ainda hoje é necessário ler bulas sobre a música do passado para melhor entendê-las antes de ouvi-las, para os ouvintes, na música nova, contemporânea, viva, elas são vitais.
Tais informações inexistem no folheto-programa geral do festival. O programa do concerto de Alvin Lucier, atrevido compositor norte-americano de 79 anos,, lista uma série de obras que foram tocadas em dois concertos, sem dizer sequer quais as daquela noite ou os nomes dos músicos. No caso, Joaquim Abreu (percussão), Agnaldo (trombone, não peguei o sobrenome) e a cantora Caroline De Comi.
Foi assim, sem bula nenhuma, a seco, que a música interessantíssima de Lucier foi apresentada. Excelente a peça final, I"m Seating in a Room, onde o compositor lê um texto. Sua fala é gravada e devidamente desconstruída, mantendo-se apenas o ritmo e ralentando-se várias vezes a velocidade, alterando o timbre até chegar a uma pasta sonora inidentificável. Wave Songs, para soprano e CD, combina sons pré-gravados com a cantora ao vivo em emissões de notas simples, sem vibrato (o vibrato fica por conta das "ondas sonoras" pré-gravadas). Em Panorama, o trombonista faz glissandi não temperados em quartos de tom sobre notas também emitidas pelo piano de Lucier; e, finalmente, em Silver Street Car..., Abreu pilota um prosaico triângulo amplificado num ritmo sempre igual, reiterativo, brincando com dinâmicas e toques.
Escolhi este concerto, entre os muitos do Festival, justamente porque queria assistir ao vivo a uma execução da ótima Nothing is Real, para piano preparado e eletrônica. Pois fui enganado. Nothing is Real gira em torno de Strawberry Fields Forever, de John Lennon, e só foi executada no concerto da quinta-feira. Assim não há música nova que resista: sem bula, indicação correta das peças nem nomes dos músicos.
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