Álvaro Caldas lança livro de contos

Em Cabeça de Peixe, o escritor Álvaro Caldas reúne sete contos em que desenvolve sua noção sobre o mundo contemporâneo e exerce uma veia crítica, sem se importar em agradar ao leitor

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Por Agencia Estado
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No boteco do português, Severino pede uma cabeça de peixe frita. Acha caro, reclama, é maltratado por um funcionário público aposentado que conversava antes com o dono do bar. Severino tem 84 anos, uma peixeira e uma história - combatera ao lado de Lampião até a morte do líder cangaceiro. Severino também tem uma doença, mas se recusa a usar o remédio que o médico lhe receita, depois de uma consulta rápida e malfeita. Prefere rezar. Cabeça de Peixe é o conto que dá nome ao livro de Álvaro Caldas, ex-militante político e jornalista, autor ainda do romance Balé da Utopia (Objetiva). Mas não o que lhe impõe sentido. Para entender melhor o que une os textos desse livro, é bom começar por Nenhum Era, que está muito bem posicionado no início da obra e com o qual o autor ficou entre os finalistas do concurso Guimarães Rosa, promovido pela Rádio France Internacional. Nele, um escritor é entrevistado num talk-show. A conversa não anda, porque ele não está disposto a fazer concessões. Há uma tensão entre a rapidez que a televisão exige e a necessidade do tempo e da reflexão, do mundo do autor, retórico e repleto de pausas e o do apresentador, engravatado, mas, paradoxalmente, informal. Os sete contos de Caldas refletem, cada um a sua maneira, esse desconforto, essa vontade de resistir a um mundo que se desumaniza. Cabeça de Peixe tem ainda a coragem de colocar um tema que a maioria dos escritores brasileiros contemporâneos parece acreditar superado, que é o do migrante nordestino - ou um problema, no mínimo, a ser olvidado. E o faz sem que a narrativa pareça ultrapassada, que foi um risco que correu, talvez sem saber disso. E vale registro a habilidade de Caldas de se colocar na posição feminina, pondo mulheres para narrar histórias em primeira pessoa, como em Infinita Compaixão e em Essas Mulheres (Doidivanas). Mais três contos - O Escorpião e a Cortesã, Erina da Irlanda e Passeio Matinal - completam a obra. Caldas, assim, se coloca numa confortável posição como contista, capaz de manipular suas histórias e personagens de acordo com a sua vontade, sem se preocupar em agradar ao leitor com obviedades. Mostra-se também bastante capaz de registrar suas reflexões sobre o mundo contemporâneo, de forma orgânica. E ainda consegue deixar os resenhistas em situação delicada, quando coloca seu alter ego (será que ele aceitaria essa definição?), o escritor de Nenhum Era, se queixando: "Com as mortes de Carpeaux e Álvaro Lins, a crítica tornou-se uma insensatez, incapaz de diferenciar uma obra de gênio de uma mediocridade. Restam as resenhas, que freqüentemente têm um caráter apenas didático, informativo." Cabeça de Peixe - Contos de Álvaro Caldas. Editora Garamond, 152 páginas, R$ 22,50.

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