"Alice" mostra o homem reduzido ao silêncio

Com Alice, personagem-título vivida por Simone Spoladore (foto), a Sutil Companhia de Teatro conta uma história de incomunicabilidade na era da comunicação total, a partir do drama de dois astronautas soviéticos abandonados pelo governo em órbita fora da Terra

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Por Agencia Estado
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O resgate da memória perseguido pela Sutil Companhia de Teatro completa dez anos. Criado em Curitiba pelo diretor Felipe Hirsch e pelo ator Guilherme Weber, o grupo, que já ganhou mais de 60 prêmios, sempre baseou seu trabalho como um mergulho no universo do ser e do vir-a-ser que se articula dentro de uma realidade em movimento. E, apesar de uma década de carreira, a experimentação ainda estimula - é o que justifica a estréia amanhã de Alice ou A Última Mensagem do Cosmonauta para a Mulher Que Ele um Dia Amou na Antiga União Soviética, espetáculo que comemora a data. "Talvez seja nosso trabalho mais experimental por estimular uma explosão sensorial no público", acredita Hirsch, que descobriu o texto do escocês David Greig na incessante pesquisa de novas peças, feita junto de Weber. "Greig é considerado um das figuras de proa da novíssima geração de dramaturgos, famoso por sua narrativa minimalista e originalíssima", observa o ator. Os festejos continuam com o lançamento da Revista Comemorativa, amanhã, às 23 horas. E, na terça-feira, acontece a reestréia de A Vida É Cheia de Som & Fúria, um dos maiores sucessos da companhia. Finalmente, no dia 10 de fevereiro, ocorre a leitura do texto Estou Te Escrevendo de um País Distante, inspirado em Hamlet. Todos os eventos serão realizados no Teatro Sesc Anchieta, em são Paulo. Alice não se resume a uma história linear: o fio condutor são dois cosmonautas soviéticos que flutuam em órbita infinita sobre o globo terrestre a milhares de milhas de distância de seus amados. Há 12 anos eles habitam a cápsula Harmonia e, esquecidos pelo governo, não sabem que a missão já acabou. Um deles, Oleg, tenta se comunicar com uma garota que um dia amou. Já Casimir tem uma filha que ele não vê desde os 6 anos - ela é Alice, que empreende uma viagem exploratória até chegar a Londres. "No século da comunicação, Greig enfatizou o silêncio, a ambigüidade e a impossibilidade de comunicação", comenta Hirsch que, a partir do original escocês, montou uma série de cenas, envolvendo os demais personagens (um físico francês obcecado por ufologia, um funcionário público escocês que guarda uma fita com a gravação da respiração de Alice, uma policial grávida e uma terapeuta da fala). "Nosso trabalho está sempre em transformação; por isso, estamos distante do texto original", conta o diretor que, até o início da semana, ainda fazia modificações no texto. Uma das alterações foi no nome do personagem principal - enquanto no original Nastasia era a filha distante de Casimir, na versão de Hirsch e Weber ela se transformou em Alice. A inspiração veio por meio dos versos de T.S. Elliot que lembram das portas que Alice, a do país das maravilhas, não consegue abrir, uma referência aos pontos ocultos da memória que as pessoas nem sempre detectam. "Trata-se das histórias da vida paralela que cada um tem e que ficam armazenadas no inconsciente", comenta Weber. Todas as mudanças buscam um aprofundamento na pesquisa da memória, que discute a verdade sobre o passado e o presente dos personagens. E, como já se tornou habitual no trabalho da companhia, outras referências foram agregadas ao espetáculo. É o caso da referência aos filmes do grande diretor grego Theo Angelopoulos - em trabalhos como Paisagem na Neblina e Um Olhar a Cada Dia, os personagens buscam resgatar suas origens, um retorno com o sentido metafórico de um reencontro com a memória e o passado. "Essa é uma característica da cultura grega: a busca da ancestralidade", observa Guilherme Weber. Para transmitir esse rico trabalho de pesquisa, o grupo cuidou de detalhar a produção. A começar pelo cenário de Daniela Thomas, colaboradora que tem se tornado constante nas recentes produções da companhia. "Ela é conceitual e redescobriu, em nossas pesquisas, o caminho de experimentações que trilhava em sua parceria com Gerald Thomas", afirma Hirsch. Assim, a fim de reproduzir o clima de fragmentações espaciais, proposto pelo autor escocês, Daniela agrupou como em um edifício todos os espaços em que cada personagem atua. "A intenção é promover uma situação levemente delirante, febril", diz o diretor. Também o palco estará rodeado de microfones, um total de 15, que captarão os diálogos, alguns em língua estrangeira. As legendas serão visualizadas em uma tela, outra característica do trabalho da companhia. "Além de colaborar na história, provoca um distanciamento positivo com a platéia", afirma Hirsch. Alice ou a Última Mensagem do Cosmonauta Para a Mulher Que Ele um Dia Amou na Antiga União Soviética - De David Greig. Adaptação e direção Felipe Hirsch. Duração: 120 minutos. Sexta e sábado, às 21 horas; domingo, às 19 horas. R$ 20,00. Teatro Sesc Anchieta. Rua Doutor Vila Nova, 245, em São Paulo, tel. (11) 3234-3000. Até 16/2. Amanhã, somente para convidados.

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