Alejandro Otero ganha primeira mostra individual no Brasil

'Os Coloritmos' está em cartaz na Estação Pinacoteca e apresenta 44 preciosidades do artista

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Por ANTONIO GONÇALVES FILHO - O Estado de S.Paulo
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Alejandro Otero (1921-1990) talvez não seja tão conhecido no Brasil como Jesús Rafael Soto (1923-2005) ou Carlos Cruz-Diez, dois outros expoentes da arte construtiva venezuelana, mas já esteve presente em quatro edições da Bienal de São Paulo (em 1957, 1959, 1963 e 1991) e numa mostra retrospectiva dedicada a ele pela Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, há cinco anos. O artista ganha agora sua primeira grande exposição individual no País, Os Coloritmos de Alejandro Otero, graças a uma iniciativa conjunta do Instituto de Arte Contemporânea (IAC) e da Fundação Nemirovsky. São 44 valiosos trabalhos pertencentes à série Coloritmos, em exposição até 6 de janeiro na Estação Pinacoteca, o primeiro deles realizado em 1955, um esboço da obra definitiva presente na coleção do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) desde 1957. Com curadoria de Rina Carvajal, historiadora de arte que colaborou na edição da 24.ª Bienal de São Paulo (1998) organizada pelo crítico Paulo Hekenhoff, a exposição é uma rara oportunidade de ver num mesmo espaço essa e outras pinturas históricas de um construtivista que dialogou, ainda que de forma indireta, com os concretos brasileiros. Há uma simetria evidente entre ele e o neoconcreto brasileiro Willys de Castro, que não conheceu, representado em duas retrospectivas na cidade (uma na Pinacoteca do Estado e outra na sede do IAC, na Faculdade de Belas Artes, na Vila Mariana). Em 2006, uma exposição reuniu 47 obras dos dois no Aspen Institute de Colorado (EUA), que resultou no ensaio The Forms of Color, de Luis Pérez-Oramas, curador da 30.ª Bienal de São Paulo. Outro dos interlocutores de Otero é o conterrâneo Cruz-Diez, hoje com 89 anos e último representante vivo da primeira geração de artistas abstratos da Venezuela (150 de suas obras estão em cartaz na Pinacoteca, na mostra A Cor no Espaço e no Tempo, em cartaz até domingo). Há um paralelo curioso entre a arte concreta brasileira do final dos anos 1950 - quando a abstração se firmou como linguagem artística no País, no momento em que a modernidade arquitetônica construía Brasília - e a ascensão da vanguarda construtiva da Venezuela. Otero, que estudou a obra de Mondrian em Paris e voltou a Caracas em 1949, criou uma série de obras públicas que dialogam com a moderna arquitetura venezuelana (murais, vitrais e policromias em faculdades). A curadora Rina Carvajal destaca esse diálogo arquitetônico que a levou a fechar as janelas da Estação Pinacoteca e iluminar cada um coloritmos expostos como se fossem joias. E são, na verdade. Disputadíssimos no mercado internacional, 11 deles pertencem a uma fundação privada, a Allegro, criada pelo colecionador venezuelano Luis Benshimol. São da Allegro algumas das melhores pinturas da exposição, entre elas uma rara obra horizontal de cores claras que remete a uma partitura musical de compositores concretos. Benshimol lembra que Otero, um erudito formado em Paris que foi amigo de Léger, Jean Arp e Calder, teve como interlocutor nesse campo o maestro Pierre Boulez, que, na época da passagem do venezuelano pela França (1945-1949), compunha suas primeiras sonatas pós-weberianas, antes de ingressar no serialismo. O ritmo cromático sugerido por essas pinturas, feitas com tinta industrial brilhante Duco sobre madeira ou plexiglass, remete vagamente às fisiocromias de Cruz-Diez e à vibração cinética de Soto (especialmente os coloritmos em movimento, realizados entre 1957 e 1967), mas, diferentemente de Soto, a construção espacial de Otero nesses trabalhos explora a ambiguidade da forma em confronto com a vocação expansionista da cor. A curadora Rina lembra que Soto, contudo, via mais semelhanças que diferenças entre esses coloritmos em movimento e os efeitos óticos de suas obras. Por respeito a Soto, ele interrompeu a série e os cinco trabalhos que fez estão todos na mostra da Estação Pinacoteca, emprestados por colecionadores particulares e museus por muita insistência da curadora. "São obras muito frágeis, que ninguém gosta de emprestar." Compreensível. Um desses coloritmos alcança facilmente US$ 1 milhão no mercado, o que desperta o interesse até do governo Hugo Chávez, não exatamente um general sensível à arte abstrata. As autoridades venezuelanas dificultam cada vez mais a saída de obras de arte do país, temendo o que aconteceu com a coleção Cisneros, que foi saindo da Venezuela à medida que cresciam os atritos da família com o presidente. Organizada de forma cronológica, a exposição permite acompanhar a evolução da pintura de Alejandro Otero desde que, voltando da Europa e impressionado com o que viu de Mondrian na Holanda, começou a explorar a dinâmica espacial de faixas verticais sobre figuras geométricas fragmentadas, brincando com a questão de bidimensionalidade à medida que o espectador se movimenta diante dessas obras. "Essa questão cinética ocupou mais a cabeça dos construtivistas venezuelanos do que seus contemporâneos brasileiros", compara o colecionador Benshimol, que tem obras de Hélio Oiticica (da fase neoconcreta) e Lygia Clark em seu acervo. Um livro sobre Otero está sendo organizado pela curadora da mostra, Rina Carvajal, e deverá ser lançado em janeiro. Ele conta a bela história de um garoto pobre de Mateco, que perde aos 2 anos o pai seringueiro (picado por uma aranha na selva amazônica), muda com a família para Ciudad Bolivar, estuda agricultura e vai trabalhar num banco para ajudar a mãe, morando numa casa humilde e sem móveis. "Ele chorava o tempo todo no banco e o gerente, percebendo seu drama, alertou a família, que se reuniu para bancar seus estudos de arte em Caracas." Alejandro não decepcionou. Ganhou uma bolsa para Paris e lá liderou o primeiro grupo de arte abstrata da Venezuela, La Disidencia, que criticava as estruturas culturais do país, sugerindo a deglutição antropofágica da herança cultural europeia. Do início figurativo, influenciado por Cézanne, ao abstracionismo geométrico, marcado pela visão de Malevitch e Mondrian, Otero acabou criando uma obra inconfundível, grandiosa como a de seus modelos.OTEROEstação Pinacoteca. Lgo. Gen. Osório, 66. Até 6/1.

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