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Alcides Nogueira volta ao teatro sem largar a TV

Dramaturgo prepara duas peças para este ano, que serão dirigidas por Gabriel Vilella e Marco Nanini, e finaliza o argumento de uma novela para o horário das 6

Por Agencia Estado
Atualização:

Mesmo embalado pela volta ao cartaz de Feliz Ano Velho, Alcides Nogueira tem os olhos voltados para o feliz ano novo. O dramaturgo, roteirista e novelista da TV Globo há 17 anos, co-autor da polêmica novela Torre de Babel e de peças que marcaram época, como Ópera Joyce, Lua de Cetim, Lembranças da China, Florbela e Traças da Paixão, recebeu a reportagem em seu apartamento, nos Jardins, para falar sobre os projetos que está desenvolvendo para 2001. Eles incluem duas novas peças de teatro (Gabriel Villela e Marco Nanini serão os diretores) e uma das próximas novelas das seis, que se baseará nas personagens femininas de José de Alencar. Depois de Ventania, em 97, uma homenagem ao dramaturgo José Vicente, Nogueira retoma a parceria com o diretor Gabriel Villela na peça Pólvora e Poesia, em que aborda o encontro caloroso dos poetas franceses Rimbaud e Verlaine. "De tudo o que já fiz até hoje, talvez seja essa a peça mais estruturada, mais amarrada, como se eu tivesse em mãos um gabarito e dentro dele o vôo poético", afirma o autor. Por vôo poético, ele entende as várias referências e citações que povoam o texto, criando camadas de intertextualidades. "Há muito tempo venho trabalhando com essa coisa da apropriação da cultura, que acho interessante para o autor, essa assimilação daquilo que é bom e que motiva a criar algo novo", avalia. Com estréia prevista para o primeiro semestre do ano que vem, Pólvora e Poesia encerra uma trilogia sobre o discurso moderno iniciada com Ópera Joyce, em 1989, e seguida de Gertrude Stein, Alice Toklas e Picasso. Pólvora propõe um embate "furioso e apaixonado" entre dois momentos poéticos, representado por Verlaine, o poeta oficial da França, e Rimbaud, que solapou o primeiro com uma energia nova, explosiva, oriunda da campagne. A peça começa e termina com um tiro, que ocorreu historicamente, mas que se traduz no espetáculo como metáfora da combustão gerada entre dois seres que, no fundo, não conseguem romper suas solidões internas. "É como se a relação fosse Rimbaud-Rimbaud, Verlaine-Verlaine e, ocasionalmente, um Rimbaud que está nos braços de Verlaine e vice-versa", completa. "Mas no final, que é também o final da peça, há como que uma transfusão sangüínea entre os dois", diz o dramaturgo. "Rimbaud abandona a poesia e vai ser traficante de armas na Abissínia. Verlaine se converte ao cristianismo e apesar de - ou por conta de -, acaba produzindo sua melhor poética". Já o encontro entre Nogueira e Villela teve início com Ventania. "O processo de criação de Villela comigo foi tão bonito e generoso na época, que a sintonia entre a gente ficou muito apurada", conta. Nogueira arrisca que das direções de Villela, essa tenderá a ser a "mais nua", sem espaço para o barroco. "Pólvora pede apenas um espaço e duas cadeiras. Ele vai ter que rebolar para fazer isso." O projeto está previsto para estrear na sala Assobradado, do TBC, no primeiro semestre deste ano. Fantasia nostálgica - De quebra, o dramaturgo acaba de terminar uma nova peça, Valsa de Esquina, que contempla um trio de atores "muito queridos": Denise Del Vecchio, Caio Blat e Louise Cardoso. A direção será de Marco Nanini. Valsa de Esquina, uma fantasia nostálgica, segundo Nogueira, retrata o universo feminino, com ênfase em características que acompanham as mulheres, como a solidariedade. Valsa de Esquina também deverá estrear em meados de 2001, primeiramente no Rio. Alcides Nogueira faz parte da "geração dos 50 anos". Aprendeu a escrever para teatro "lavando roupa", ou seja, na raça. De Botucatu para São Paulo, ingressou em 68 na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, "tempo em que os festivais de teatro eram a melhor escola para o artista". Mas, depois de ir para as barricadas estudantis, unindo seus protestos ao grande coro da luta contra as forças de repressão, decidiu auto-exilar-se, embarcando para a sweet London, entre 69 e 70. "Voltei para o Brasil com muita vontade de escrever", conta o dramaturgo, que, na volta, fez pós-graduação em Direito Autoral, justamente para "aprender a se defender". Trinta anos depois, Alcides Nogueira não tem do que se queixar. Tornou-se um dos grandes autores contemporâneos de teatro, imprimindo sua marca em textos que têm como característica acentuada a discussão da ação do tempo sobre o destino das pessoas. A mesma preocupação com a idéia de tempo fez com que autorizasse a volta de Feliz Ano Velho, de 1983, do jeitinho como foi montada há 17 anos (a peça está em cartaz no Teatro Tuca). "Faz tão pouco tempo, mas a grande tendência hoje já é repensar os anos 80", justifica o autor. No caso do protagonista da história, Marcelo Rubens Paiva, Nogueira diz que é "bonito constatar que, nesses 17 anos, Marcelo deixou de ser aquele menino traumatizado por um acidente brutal e conseguiu superar-se em todos os sentidos". Na TV - Foi o grande êxito de Feliz Ano Velho, na década de 80, que acabou levando o roteirista para a Rede Globo (junto com boa parte do elenco da peça: Marcos Frota, Lília Cabral, Denise Del Vecchio e o diretor Paulo Betti). "Na TV, Walter Negrão com sua generosidade me ensinou o bê-a-bá", relembra o autor de A Força de um Desejo (co-autoria com Gilberto Braga e Sérgio Marques) e O Amor Está no Ar (co-autoria com Bosco Brasil e Filipe Miguez). "Sei que as pessoas têm muitas restrições à televisão", diz Nogueira. Que pessoas? "A intelligentsia de um modo geral", responde. "Mesmo as pessoas da classe teatral cobram em tom crítico: ´você passou para a televisão´. Só que eles se esquecem de que na Globo (só posso falar da Globo, porque estou lá desde 83), tem se formado um núcleo de autores vindos do teatro", rebate. E cita os colegas Maria Adelaide Amaral, Bosco Brasil e Filipe Miguez, entre outros. "O próprio Gilberto Braga, embora nunca tenha escrito para teatro, foi um dos críticos teatrais mais importantes do Rio." "A mesma coisa aconteceu com os atores; se você pegar os grandes nomes da TV brasileira, saberá que vieram do palco: Fernanda Montenegro, Antônio Abujamra, Marco Nanini, Ney Latorraca, Laura Cardoso, Aracy Balabanian, Gianfrancesco Guarnieri, Nicete Bruno..." Nogueira ressalta a nova geração de atores também vem do teatro. "O pessoal do Trate-me Leão, do Asdrúbal, do Tapa, de todos os movimentos teatrais", sublinha. Nogueira está desenvolvendo a pesquisa da novela das seis que substituirá a de Ana Maria Moretzhon (programada para entrar depois de O Cravo e a Rosa). O enredo vai girar em torno de núcleos marcados por mulheres fortes, extraídas da obra do romancista José de Alencar: Diva, Lucíola, Encarnação. "Eu odiava ter que ler José de Alencar quando era adolescente", confessa o autor. "Mas é curioso que se você raspar um pouco do romantismo de Alencar, ele se transforma num grande cronista", atesta. Segundo Nogueira, a TV tornou o seu teatro "mais ágil e delirante". "Como a TV permite menos o delírio, joguei isso para o teatro. E rompi com qualquer compromisso", avisa. "Não preciso escrever sobre a realidade brasileira, eu quero escrever sobre o homem, não importa se mora aqui ou em Paris." Alcides afirma que o teatro também alimentou seu ofício de novelista. "A Força de um Desejo, por exemplo, em parceria com Gilberto, tinha muito da densidade do teatro", exemplifica. Exigência - Se, por um lado, os plots (enredos) das novelas continuam os mesmos, eternamente irmanados ao gênero folhetim, Nogueira afirma que o público brasileiro, por sua vez, tornou-se muito mais exigente. "Talvez pelo fato de ser pobre, não ter acesso aos livros ou ao cinema, este público cobra qualidade." E exerce poder, sobretudo sobre seus artistas preferidos. Uma das maiores polêmicas da história da novela ocorreu em Torre de Babel, em que o tema lesbianismo veio à tona. As personagens interpretadas por Christiane Torloni e Silvia Pfeifer, que formavam um casal, acabaram virando fumaça metidas na explosão de um shopping.

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