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Álbum traz a saga completa do gato Fritz

Saga do personagem iconoclasta de Robert Crumb, o papa do underground, que o autor "matou" em 1972, chega às livrarias em álbum de formato grande e papel couchê

Por Agencia Estado
Atualização:

Em 1972, Robert Crumb se sentiu forçado a matar seu personagem Fritz the Cat. "Foi a única forma que encontrei para dar um jeito nele. Está melhor morto. Outra fatalidade dos ídolos dos anos 60." Mas o gato Fritz tem muito mais do que sete vidas. A Conrad Editora está lançando Fritz the Cat, uma compilação com praticamente todas as histórias publicadas do personagem, de junho de 1961 (Ei, Gato Velho) a 1972 (Fritz, the Cat Superstar, publicada na The People´s Comics, quando o personagem é "assassinado"). Se você quer saber o que foi o fenômeno Fritz the Cat, o mais esculachado e iconoclasta entre a avalanche de heróis hippies, ideológicos, marxistas e bem-intencionados dos anos 60, esta é sua chance. Na introdução da compilação definitiva das grandes aventuras do anárquico e depravado Fritz the Cat, Crumb conta como o inventou, no fim dos anos 50, começo dos 60. Na verdade, Fritz era inspirado num gato real, Fred, e as primeiras aventuras eram sobre esse gato realista, com desenho bem careta. Essas histórias estão na compilação da Conrad, "tiras simples, desenhadas a lápis em cadernos de escola". Após anarquizar gradualmente as aventuras do gato, injetando sexo e ultraviolência nas tiras, Fritz foi se tornando famoso e isso incomodou o artista. "Muitos desses trabalhos foram publicados depois que me tornei conhecido, vários contra minha vontade." O gato Fritz zomba das obsessões revolucionárias dos anos 60, dos ideais libertários da revolução sexual (ele, na verdade, é um estudante relapso que só quer tirar uma casquinha da mulherada e é homofóbico, machista, canalha). Espanca velhinhas e chama o próprio filho recém-nascido de "monstrinho". O gato perambula por várias camas, satiriza os estereótipos femininos (a dondoca preocupada com a questão social; a moça casadoura de instintos maternais; a loura burra que é namorada de militante idealista) e, ao lado do coelho Fuz e do porco Heinz, bota fogo na América - de sótãos nova-iorquinos a buracos de São Francisco. "De certa maneira, ele era uma sátira, uma encarnação de uma galera jovem que eu conheci no passado. Jovens que queriam viver algum tipo de vida romântica, como tinham lido em Kerouac. Tipos bombásticos, colegiais tentando ser barra-pesada", disse o autor, em entrevista a Jean-Pierre Mercier, no ano 2000, quando foi homenageado no salão de Ângouleme, França. A polícia, como de hábito nas histórias de Crumb, aparece como truculenta e ignorante, sempre em busca de "fumeiros babacas" e "moleques beatniks" para espancar. Somente nesse momento é que o gato Fritz emparelhava suas convicções com as de seus colegas agitadores dos sixties. Sua postura aparentemente inócua (e politicamente incorretíssima) foi encarada inicialmente como "alienação", mas era uma vigorosa crítica social e política. Um soco direto no estômago da geração Paz & Amor. Fritz é, como todas as outras criações do artista, um retrato da própria inadequação social de Robert Crumb. Em uma entrevista na França, Crumb lembrava de sua visão do mundo. Mesmo na adolescência, ele conta que gostava de coisas velhas, se vestia com um fraque igual ao de Abraham Lincoln e "amava aquela música de fundo dos anos 30, que animava comédias como O Gordo e o Magro". Ele recorda que, ao publicar o primeiro gibi de Fritz em 1969, o frisson em torno do gato o deixou impressionado. Embasbacou-se com o fato de que tinha se tornado sucesso com aquela criação "besta" de sua adolescência. "Eu já estava famoso, ao menos entre a subcultura descolada, e era abordado por um exército de picaretas, bandidos, pilantras e toda sorte de tubarões do mercado (para que publicasse uma revista do personagem)", lembra. "Pra minha surpresa, as pessoas viam potencial financeiro no Fritz, que se tornou astro de um longa-metragem de animação de mau gosto. Tentei impedi-los, mas eles passaram por cima de mim como um trem." O filme a que Crumb se refere foi feito em 1972. Era uma animação dirigida por Ralph Bakshi com as aventuras de Fritz e que arrecadou impressionantes US$ 25 milhões, mostrando que o gato violento era um mito americano - algo como o avô sacana dos meninos de South Park. Ou de Bart Simpson. Robert Crumb nasceu na Filadélfia em agosto de 1943, numa família de classe média. Casou-se em 1978 com Aline Kominsky, com quem se mudou para a França em 1990 e onde vive até hoje. O relacionamento do casal é tema de diversos trabalhos do cartunista, como o recente A Day in Our Beautiful Life, no qual narra os prazeres e as agruras de viver na terra de Asterix. Serviço - Fritz the Cat, o lançamento da Conrad (136 páginas, R$ 37), chega às livrarias esta semana, com miolo em papel couchê e formato grande.

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