Albert e Mileva

PUBLICIDADE

Por Luís Fernando Verissimo
Atualização:

Da série Diálogos Impossíveis.Albert Einstein e sua mulher Mileva viveram separados durante cinco anos antes de se divorciarem em 1919. Foi Einstein que telefonou para Mileva para dizer que queria o divórcio.? Albert. Que bom ouvir sua voz!? Como vai você, Mile?? Bem, bem. E você vai muito bem, não é, Albert? Está famoso, é chamado de gênio...? O pessoal exagera um pouco.? E a nossa separação, Albert? Quanto tempo ainda vai durar?? Era sobre isso que eu queria falar com você, Mile. Acho que nós devíamos nos divorciar.? Divórcio, Albert? Depois de tudo que nós passamos juntos?? Mileva...? Lembra quando nos conhecemos na Polytechnische de Zurique? Nós dois estudando matemática e física?? Lembro, Mile. Você era até melhor aluna do que eu.? Lembra do nosso casamento em 1903?? Claro.? Lembra de 1905?? Como esquecer? O ano miraculoso em que foram publicadas as quatro teses que revolucionaram a física e fizeram minha reputação. E você estava ao meu lado. ? E tudo isso não significa nada para você?? Significa, Mile. Mas acabou. Acho que o divórcio vai ser melhor para nós dois.? Para você, certamente.? Mileva, não seja assim...? Agora você vai poder se casar com a Elsa. Não é isso que você quer? Ou você pensa que eu não sabia do caso de vocês, mesmo quando ainda estávamos juntos? Elsa, Albert. A sua própria prima!? Eu esperava que você fosse mais compreensiva, Mile.? Eu sou compreensiva, Albert. Não sei se a Elsa vai ser tão compreensiva quanto eu fui.? Ela me ama e me apoia.? Mas será que ela faria o sacrifício que eu fiz, para que o nosso casamento desse certo?? Que sacrifício?? Você esqueceu como eu fui compreensiva quando aceitei que você assinasse os quatro artigos revolucionários que eu escrevi sozinha, e levasse toda a glória? Eu não esqueci.? Depois daqueles artigos, publiquei muitos outros igualmente importantes. Mile.? Como aqueles, não, Albert. Aqueles fizeram história. Aqueles mudaram o modo de pensar sobre o Universo. A ciência nunca mais foi a mesma depois dos quatro artigos publicados em 1905. Dos meus quatro artigos.? Eu nunca neguei a sua capacidade.? Mas o mundo nunca ficou sabendo, não é, Albert?. Talvez agora seja a hora de saber...? Você está me chantageando, Mileva?? Não. Só estou pensando em reparar uma injustiça.? Você se lembra por que eu quis assinar os artigos, em vez de você?? Lembro. Você disse que ninguém acreditaria que eles tinham sido escritos por uma mulher. E eu, compreensiva, para não ameaçar nosso casamento, concordei.? E você acha que hoje, em 1919, seria diferente de 1905, Mileva? Ninguém vai acreditar que você é a autora dos artigos. Vão dizer que é uma invenção vingativa de uma mulher despeitada. Para aceitarem que uma mulher possa ser um gênio da física como um homem é preciso que passe muito tempo ainda. Você esqueceu a importância do tempo na sua própria teoria, Mile? ? Eu sei, tudo é relativo, e o tempo mais do que tudo. Mas se houvesse um confronto entre nós dois para saber quem está falando a verdade, eu provaria a minha autoria. Você nunca entendeu muito bem as minhas teorias, não é Alfred?? Mile, você faria isso? Só para evitar que eu casasse com a Elsa?.? Não, Albert. Fique com a sua reputação, com o seu gênio e com a sua Elsa. Eu não faria isto. Eu continuo uma mulher compreensiva. Injustiçada, despeitada, mas compreensiva.? Você me perdoa, Mile?? Talvez com o tempo, Albert.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.