Até fevereiro do ano passado Rosemberg Rodrigues dos Santos, morador do Morro da Babilônia, no Leme, zona sul do Rio, tinha uma vaga lembrança de ter ouvido o nome Tiradentes, mas não lembrava bem o motivo. O vizinho Guilherme Camarinho "sabia que tinha uma data e era feriado". Um ano e meio depois, Rosemberg é o próprio Joaquim José da Silva Xavier e Guilherme interpreta Alvarenga Peixoto, na peça Tiradentes, o Zé de Vila Rica, encenada na Assembléia Legislativa do Rio, no palácio que leva o nome do inconfidente.Rosemberg e Guilherme, ambos de 17 anos, fazem parte do grupo de 18 moradores do morro que descobriram o interesse pelas artes cênicas e agora sonham com a carreira de ator. Para chegar ao palco, tiveram aula não só de interpretação, improviso, preparação de voz e de corpo. Também aprenderam literatura, matemática, cidadania, saúde. Foram ao teatro, ao cinema, assistiram a exposições. "São adolescentes que saíram da exclusão para o palco, com grande criatividade", resume a deputada estadual Heloneida Studart (PT), autora da peça e coordenadora do projeto cultural Libertas Quae Sera Tamen, da Assembléia do Rio. Além da peça dos adolescentes, o projeto montou Romanceiro da Inconfidência, poema de Cecília Meireles, com Nelson Xavier no papel de Tiradentes, e vai encenar a vida da abolicionista Bárbara de Alencar. té um curso de educação sexual. que durou 20 dias, foi dado aos jovens, conta a diretora da peça, Vilma Dulcetti.Neste ponto, porém, reconhece Heloneida Studart, ainda há muito a ser feito. Seis atrizes engravidaram desde o início do projeto, e, ao terem os filhos, foram substituídas por outras colegas. O sétimo bebê já está a caminho. É o filho de Suzana Aparecida de Souza, de 17 anos, que alterna os papéis de noiva, escrava e cigana. Aos sete meses de gravidez, Suzana fala com naturalidade do filho e do futuro. "Quero seguir a carreira de atriz", planeja.Como diz Heloneida, os jovens atores foram descobertos na idade em que uma grande parte dos moradores das favelas cariocas é cooptada pelo tráfico de drogas. "É tão fácil tirar as crianças pobres da exclusão. Você vê que esses todos foram salvos", diz a deputada, entusiasmada com o desempenho dos novos atores, que se apresentam a cada duas semanas para público que varia d 100 a 120 pessoas. Os atores recebem R$ 151 mensais e lanche antes de cada espetáculo. Um ônibus da Assembléia pega o grupo na entrada do morro e leva em casa, depois do trabalho."O passo principal, que era o primeiro, a gente já deu", diz Wallace Pereira, de 18 anos, intérprete de Tomás Antônio Gonzaga e outro ator disposto a tentar a carreira profissionalmente. Aluno do curso técnico de patologia clínica, ele fala dos planos para o futuro: "Quero seguir como ator e ter a patologia como hobby." Cuidadosos com o figurino, os jovens comentam seus papéis na peça, ao mesmo tempo em que contam os episódios da Inconfidência Mineira. Aos 15 anos, Anderson Damasceno Machado, o Coronel Francisco de Paula, confessa que, no começou, pensou em "matar" alguns ensaios, mas a mãe não permitia, sob pena de ele não poder divertir-se nos fins de semana. "Ainda bem que eu continuei. Nossa família dá a maior força", agradece Anderson.Com duração de uma hora e vinte minutos, a peça de Heloneida dá grande importância a uma personagem pouco conhecida da História, a mulher de Tiradentes, Eugênia, interpretada por Daniele Medeiros, de 18 anos. "Eugênia viveu 104 anos. Nem eu sabia, só descobri escrevendo a peça", conta a deputada. A intérprete de Eugênia, que também sonha com a carreira de atriz, revela a predileção pelo teatro: "É mais realista."