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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Adivinha quem vem para jantar?

Nem pensar em Hemingway e Fitzgerald. Bebiam demais e o segundo era um estraga-festa

Atualização:

O caderno literário do New York Times tem um questionário básico parecido com o de Proust, semanalmente respondido submetido à sinceridade de poetas e escritores em geral. Uma das perguntas mais ou menos fixas é esta habituée, com pequenas variações, de jogos de salão, blogs e até sites: “Para quais escritores, vivos ou mortos, você adoraria oferecer um jantarzinho?”. Com direito a apenas três convivas, o elenco adequado para uma mesa de quatro lugares, a mais aconchegante que existe. A poeta, musicista, compositora e escritora Patti Smith, última a encarar o questionário, dividiria o seu (só nominalmente) jantar em três etapas.

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Receberia o chileno Roberto Bolaño pela manhã e embalaria a conversa com um CD de Glenn Gould tocando as Variações Goldberg bem baixinho. E depois lhe faria “a pergunta literária do século 21”: como o romance 2666 teria prosseguido se ele pudesse tê-lo escrito até o fim?

Ao anoitecer, receberia a poeta Sylvia Plath com um Porto Tawny de 40 anos e a convidaria para assistirem juntas ao filme Guerra Fria, do cineasta polonês Pawel Pawlikowsk. Culminando com a visita de Ryunosuke Akutagawa (contista japonês, suicidou-se em 1927), com quem tomaria saquê e desfiaria histórias curtas até o sol raiar.

Ao repercutir a resposta de Smith no Twitter, vale dizer, retuitá-la, deflagrei uma corrente de confissões do gênero, precedida da inevitável cobrança sobre quais seriam os convidados dos meus sonhos, os meus “dream guests”.

Nunca pensara em tal coisa, respondi com total franqueza. Mas ao ruminar a demanda, sobreveio-me a figura de Albert Camus, que devia ser um causeur formidável. Descartei duas outras admirações – Gore Vidal e Susan Sontag – porque os conheci pessoalmente, inclusive de garfo e colher. E parei por ali, não sem antes me eximir de fechar o trio literário substituindo-o por uma trinca cinematográfica para ninguém botar defeito: Ava Gardner, Marilyn Monroe e Jean Seberg.

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São elas as minhas três deusas da tela, as minhas “três garotas do Sabonete Araxá” (Manuel Bandeira, falando nisso, enobreceria qualquer jantar). Por que não as musas no lugar dos escritores? Por que só escritores?

Fazer listas é uma das atividades que mais nos distinguem dos animais; que não deveriam se sentir inferiores a nós por isso. Evito ao máximo a prática dessa distração pérfida (por causa das omissões e injustiças que sempre cometemos ou receamos cometer), sadomasoquista (fazemos sofrer os preteridos e nos remoemos de culpa) e presunçosa (que importância têm as nossas preferências pessoais?). De todo modo, considero uma lista de “dream guests” bem menos perniciosa que a de “melhores” nisso e naquilo.

A internet fervilha de listas de encontros e jantares quiméricos com celebridades de toda espécie. Meus seguidores no Twitter, fiéis ao parâmetro estabelecido pelo questionário do Times, manifestaram suas preferências espontaneamente. Entre os mais apontados, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Kafka, Borges, Hemingway, Fitzgerald, Fernando Pessoa.

Escolhas óbvias, ainda que problemáticas para quem conhece razoavelmente bem a vida e a personalidade de alguns deles. Hemingway e Fitzgerald bebiam demais pro meu gosto; o primeiro, machão em demasia, o segundo, chato pra cacete, um histórico estraga-festa. Kafka tinha a fama de ser divertido pessoalmente. A gagueira de Machado seria ou não seria um empecilho a uma conversa sem lombadas?

Nem todos aqueles que admiramos de leitura e cuja inteligência invejamos confirmam em pessoa o que delas se espera. Alguém relacionou uma tríade realmente do barulho, além de amigos entre si – Paulo Francis, Millôr e Tom Jobim –, num ambiente, a finada churrascaria Plataforma, mais ao feitio do terceiro que dos dois primeiros, porém escalando como “mestre de cerimônias” a temerária e nada cerimoniosa figura de Roniquito, que só era conversável e convivente quando sóbrio.

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Se bem que dois tuiteiros incluíram Hilda Hilst e Cecília Meireles em suas listas, a hegemonia masculina me deixou incomodado. Tudo bem, Clarice Lispector, erres rascantes à parte, talvez não fosse companhia empolgante para um bocado de gente, mas por que tão poucas mulheres formidáveis foram lembradas? Se cedesse à tentação de acrescentar mais musas às três mencionadas no quarto parágrafo, não deixaria de fora Louise Brooks (ademais inteligente à beça), Dorothy Parker, Mary McCarthy, Tallulah Bankhead e Nora Ephron.

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Há uma foto famosa de um almoço de Chaplin com Orson Welles, no extinto Brown Derby de Hollywood em março de 1947; sobre a mesa, dois ou três copos e um saleiro. Sempre que a vejo, comento: “Só queria ser aquele saleiro”. Dotado de audição, evidentemente, e boa memória para agora reproduzir aqui o papo que eles tiveram. Chaplin acabara de rodar Monsieur Verdoux. Quem sabe os dois não celebravam a conclusão do projeto, inspirado, afinal, numa ideia de Welles.

Já que me provocaram, serei ambicioso. Em vez de um jantarzinho en petit comité, como costuma ser sublimado, proponho um banquete, com alguns comensais cuja verve me fazem falta, como Otto Lara Resende, emérito conversador, e outros que vi e ouvi menos do que gostaria, como Paulo Mendes Campos, Vinicius de Moraes, Sérgio Porto e Antonio Maria.

Nenhum deles, tenho certeza, se importaria de dividir a mesma távola, não necessariamente redonda, com Groucho Marx, Oscar Wilde, Aldous Huxley, Gene Kelly, Graham Greene e I.F. Stone. Seria muito exigir que Sinatra cantasse um pouco de Cole Porter pra gente?

Cole Porter! Puxem uma cadeira também pra ele.

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Opinião por Sérgio Augusto
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