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Abujamra leva peça à França

Sua montagem Hamlet É Negro foi convidada para o Festival de Teatro de Avignon. O dramagurgo é um dos criadores indicados para o Prêmio Multicultural Estadão 2002

Por Agencia Estado
Atualização:

Natural de Ourinhos, interior de São Paulo, 70 anos de idade, 52 de profissão, 118 peças dirigidas, Antônio Abujamra é um dos criadores indicados para o Prêmio Multicultural Estadão 2002. Criado em 2000, seu programa Provocações, na TV Cultura, certamente serviu de ´vitrine´ para a indicação. Mais de 500 artistas já foram entrevistados pelo irreverente Abu, de Tom Zé a Ratinho. "Recebo mais de 250 e-mails semanais elogiando o programa, mas acho que fui indicado por toda a minha carreira, não apenas por Provocações." Abujamra protesta se alguém chama de ´talk show´ o seu programa, cujo formato vai mesmo além das tradicionais entrevistas. Abu capta declarações do povo nas ruas - "algumas muito sábias" - e, a cada programa, ´interpreta´ textos que vão de Brecht ao protesto de um índio guatemalteco contra a dívida externa dos países de Terceiro Mundo. Ainda assim, ser indicado por seu programa de TV seria mesmo uma provocação e mais uma contradição em sua carreira. Como, por exemplo, ser diretor de montagens consideradas ´geniais´, Abu acabar alcançando popularidade como bruxo Havengar da novela Que Rei Sou Eu?. Verdade é que o ´personagem´ Abu, com sua irreverência, muitas vezes acaba por ofuscar o homem de teatro, de sólida formação cultural. Ainda garoto, foi morar em Porto Alegre, onde cursou jornalismo. Saiu do Rio Grande do Sul com uma bolsa de estudos para Madri. De lá, partiu em viagem por várias cidades da Espanha, depois Marrocos, Tunísia, Alexandria e Cairo. Quando o dinheiro terminou, bateu na casa do cônsul João Cabral de Melo Neto, em Marselha. "Aprendi mais poesia morando 28 dias com ele do que em todo o meu período universitário." De lá, foi para Paris com nova bolsa e estudou com Jean Vilar e Roger Planchon. Em seguida, aconselhado pelos mestres, passou ainda pela Alemanha, para conhecer o Berliner então comandado por Bertolt Brecht. De volta ao Brasil, começou dirigindo Cacilda Becker, na peça Raízes, de Arnold Wesker. Paradigmática na carreira do diretor é a montagem de As Fúrias, peça do espanhol Rafael Alberti, levada à cena no Teatro Ruth Escobar, na década de 60, que se tornou a um só tempo símbolo de qualidade e ousadia e um dos maiores fracassos de bilheteria na história do teatro. "Zé Celso disse que aprendeu a fazer teatro vendo essa montagem. A peça era ovacionada todas as noites - pelas cinco pessoas da platéia", lembra Abu. "Era um espetáculo deslumbrante, muito à frente de seu tempo, a anos-luz de distância das inovações que viriam mais tarde e certamente isso provocou o fracasso de bilheteria. As marcações, as cenas de conjunto, tudo era muito bonito e impactante", relembra o ator e diretor Oswaldo Mendes. "Não tenho dúvidas de que essa montagem abriu novas possibilidades no palco e estimulou a imaginação de outros diretores", completa Mendes. No elenco, Cleyde Yáconis, Ruth Escobar (também produtora), Dina Lisboa e Stenio Garcia, entre outros. O tema era a repressão familiar. "Os críticos adoravam, as pessoas queriam fazer um busto meu para botar na porta do teatro, mas ninguém ia ver", diz Abu. "Com mais de cem peças dirigidas, posso dizer que não entendo mais nada. Cada vez sei menos das coisas. Tudo o que sei é que sou provocado pela fome e pelo analfabetismo no País. Odeio tudo, cada vez mais." Abu reclama muito da mediocridade, da ignorância. "Ninguém mais lê. Um sujeito que vai fazer teatro tem de ler." Reclama da ausência de política cultural. "Eu queria um teatro e verba para montar os autores do século de ouro espanhol, para montar Shakespeare, para montar autores contemporâneos", diz. "Mas não sou nem ouvido." Apesar disso, acaba de realizar duas grandes produções - Chuva de Bala no País de Mossoró, no Rio Grande do Norte, e uma autoral adaptação de Hamlet, no Rio. A montagem de Hamlet com 19 atores negros no elenco ganhou o título de Hamlet É Negro. Para se ter idéia da liberdade criativa de Abu, o protagonista não vê o fantasma do pai, o rei assassinado, ele incorpora o fantasma do pai, como ocorre no candomblé. "Shakespeare será sempre maior do que qualquer um de nós. Podemos mexer à vontade, que ele permanece lá. Não há um só fala coloquial nesse espetáculo. E os atores são ótimos. O público aplaudiu muito no Rio. E uma noite tinham uns franceses na platéia que também gostaram muito." Conclusão: o espetáculo foi convidado para integrar a próxima edição do Festival Internacional de Teatro de Avignon, um dos mais importantes da França. Convidado especial da prefeitura de Mossoró, Abu dirigiu 80 atores da cidade na superprodução Chuva de Bala no País de Mossoró, espetáculo que conta a história de como Mossoró resistiu e botou para correr Lampião e seu bando, há 75 anos. Lá ele perdeu alguns de seus mais importantes cangaceiros e sofreu sua primeira derrota. Abu brilhou na direção da montagem ao usar com rara pertinência recursos e linguagens aparentemente díspares como procissão, desafio, coro grego, quadrilha e ainda tecnologia de ponta como telões, câmeras, iluminação a laser e fogos de artifício. Tudo sem prejudicar a história tão conhecida da população local. Coisa de quem domina a cena. Numa trajetória assim, o que significa ser indicado para o Prêmio Multicultural Estadão? "O prêmio é patrocinado pelo Serasa, então significa que, se eu ganhar, vou poder pagar minhas dívidas e receber o perdão do Serasa", brinca Abu.

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