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Aberta a festa dos 100 anos de Francisco Rebolo

Começam hoje as comemorações do centenário de nascimento do artista paulistano, que incluem retrospectiva no MAM, lançamento de livro, exibição do filme O Anel Lírico, de Olívio Tavares de Araújo, e mostra itinerante pelo interior de SP

Por Agencia Estado
Atualização:

Para provar que a obra do pintor paulistano Francisco Rebolo vai muito além das bucólicas paisagens que se tornaram sua marca, começam hoje as comemorações em torno do centenário do artista, que incluem uma grande retrospectiva no MAM-SP, o lançamento de um livro pela Edusp, a exibição do filme O Anel Lírico, de Olívio Tavares de Araújo, e uma mostra itinerante pelo interior do Estado. Lisbeth Rebolo Gonçalves, curadora da exposição e filha do artista, selecionou 160 quadros, entre naturezas-mortas, composições com figuras humanas, retratos, auto-retratos e, claro, paisagens, abrangendo um percurso artístico que vai dos anos 30 aos 80. Hoje, a partir das 19 horas, a Assembléia Legislativa do Estado realiza uma sessão em homenagem a Rebolo, aberta ao público, com exibição de O Anel Lírico. O principal objetivo da Comissão do Centenário F. Rebolo, presidida pelo sociólogo Antonio Gonçalves, é não permitir que o espólio do artista se pulverize em coleções particulares. "Aqui na casa, onde ele viveu, temos cerca de 80 telas reunidas. Já faz mais de 20 anos que ele morreu e desde então nenhuma destas obras foi comercializada", afirma Gonçalves, que vive na residência do Morumbi com Lisbeth Rebolo. Na casa ao lado, onde funcionou o ateliê do artista a partir de 1959, o casal pretende instalar um futuro museu dedicado à preservação da obra do artista. Rebolo pintou cerca de 3 mil telas a óleo durante quase cinco décadas de produção. "Ele tinha uma rotina espartana, trabalhava praticamente todo dia, ritmo que se intensificou nos últimos dez anos de vida, quando ele protagonizou um verdadeiro arranque e deu origem a quase mil obras", lembra Gonçalves, que conheceu o artista no fim dos anos 60. Rebolo morreu em 10 de julho de 1980. Segundo Gonçalves, o Museu de Arte Contemporânea da USP deve realizar até o final do ano uma exposição do Grupo Santa Helena com destaque para a obra de Rebolo. No ano que vem está prevista a realização da mostra Rebolo e o Morumbi, na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, com paisagens do bairro em que o artista viveu e trabalhou. Os eventos do centenário devem se estender até 2004, culminando com uma exposição itinerante das obras de Rebolo por diversas cidades do interior paulista. Formação tardia - A retrospectiva do MAM-SP começa exatamente em 22 de agosto, dia em que o artista completaria 100 anos. A curadora Lisbeth Rebolo dividiu cronologicamente em algumas fases o percurso artístico de seu pai. Segundo ela, o período que vai do início dos anos 30 até o fim dos 40 é marcado pelas paisagens ao ar livre, em locais nos arredores de São Paulo, como Tremembé, Cambuci, Sumaré e cidades próximas como Socorro, Itanhaém, Mogi das Cruzes, São Vicente. Nessa época também aparecem as naturezas-mortas, trabalhos realizados a partir de modelo vivo, composições com figuras em ateliê, retratos e auto-retratos. Daí até a metade da década de 60 é a vez das paisagens atingidas pela via da reconstrução imaginária, privilegiando os elementos formais. De meados da década de 60 até início dos anos 1970, Rebolo pesquisa novas técnicas, como a xilogravura, em que adiciona motivos coloridos, transportando o resultado para a tela. Em determinado período, deixa o pincel e usa a espátula, desenvolvendo uma técnica peculiar. A década de 1970 é marcada pelo retorno a uma estruturação formal da composição, quando também o artista volta a usar o pincel e investir em cores luminosas. O principal ponto de inflexão e formação na carreira de Rebolo, o período de um ano e meio que passou viajando e trabalhando na Europa, está representado na retrospectiva por 11 obras, desde paisagens de Roma pintadas em 1956 até vistas de Veneza pintadas em 1958, de memória. Agraciado pelo Salão Nacional de Arte Moderna com o cobiçado prêmio de viagem ao exterior, Rebolo morou em Roma na companhia de sua mulher e da filha Lisbeth, então com 9 anos - além de visitar museus na Áustria, Alemanha e Holanda, entre outros países. Em carta inédita, datada de 1.º de janeiro de 1956, que faz parte do livro sobre o pintor editado pela Edusp, previsto para ser lançado em setembro, o escultor Bruno Giorgi escreveu: "Com dinheiro ou sem dinheiro, te recomendo a Europa. Sobretudo não se deixe influir por saudades - são sempre mentirosas. Sei por experiência própria como é o logro. Chego agora de São Paulo e a verdade é que nada mudou, nada acontece, sempre a mesma vidinha." No dia 27 de janeiro daquele mesmo ano, é Arnaldo Pedroso D´Horta quem faz referência à viagem de Rebolo, em carta que também está no livro: "Os amigos, eu inclusive, vão bem, com a diferença apenas de que não estão passeando na Europa à custa dos contribuintes brasileiros", brinca o crítico e artista. Corinthians - Filho de imigrantes espanhóis, entre 1917 e 1930 Francisco Rebolo jogou como ponta-direita nos times de futebol do São Bento, Ypiranga e Corinthians, clube que marcou a transição do artista dos gramados para as telas: é ele o autor do símbolo definitivo da equipe, acrescentando, na década de 30, a âncora e os remos ao então distintivo oficial, que trazia apenas o círculo em que flana a bandeira do Estado de São Paulo. Foi em torno do ateliê de Rebolo no edifício Santa Helena, na Praça da Sé (já demolido), que se aglutinou o Grupo Santa Helena, artistas de origem popular, descendentes de imigrantes e vindos da classe operária. O núcleo inicial, a partir de 1935, contava com Mário Zanini, Aldo Bonadei, Fulvio Penacchi, Clóvis Graciano e Alfredo Volpi, entre outros, chamados por Mário de Andrade "artistas proletários". Rebolo e seus colegas pintores estão entre os principais nomes do chamado "segundo momento" do modernismo brasileiro. Entretanto, de acordo com Lisbeth, não é uma geração que partiu de um programa teórico, como os modernistas pioneiros dos anos 20, mas que foi forjada na prática, principalmente a partir da decoração de casas e pintura de paredes. Tachados de "acadêmicos" pelos modernos da "fase heróica" e de "futuristas" pelos acadêmicos, os santelenistas notabilizaram-se pelas preocupações com aspectos técnicos da pintura. Para Rebolo, por exemplo, era fundamental o estudo do acabamento e do caráter artesanal de seus quadros. No resgate da natureza-morta, gênero abandonado pelos primeiros modernistas, o artista privilegia composições em que os objetos distribuídos sobre a mesa dividem a cena com reproduções de telas famosas ao fundo. Desse período, destaca-se Composição, de 1940, em que aparece reproduzido Girassóis, de Van Gogh. Se para os modernistas de 22 as referências estéticas vinham da França, em especial, e da Alemanha, para os integrantes do Santa Helena eram mais importantes os trabalhos originários da Itália, de grupos como o Valori Plastici e o Novecento, os dois cultores de uma pintura equilibrada e realista, próxima dos impressionistas e dos pós-impressionistas.

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