
14 de setembro de 2011 | 00h00
Por ser dueto em falas paralelas com cruzamentos de ideias, Ar Vazio soa mais prosa poética dramatizada do que conflito com diálogos e desenlace. A pouca troca verbal entre os personagens faz sentido no momento, mas é algo que Lucas terá de cuidar em obra futura. Não lhe custará muito porque demonstra talento desde a estreia com Suspensão (2010). O que oferece agora, com brilho, são monólogos entremeados por conversas passadas ou nascidas do desejo. O homem que morreu não consegue ir embora e a mulher, significativamente chamada Penélope (a que na mitologia grega espera Ulisses), transita entre o passado brutal e a reinvenção da vida. O casal prossegue unido para além do luto.
O espetáculo, em direção conjunta de Pedro Cameron e Yukari Carolina, tem o clima básico do original embora talvez pudesse aprofundar sua contundência e a poesia. O autor é mais incisivo. A gravação em áudio do início, um tanto longa, explica que, apesar de tudo, a história não discute a morte. Seria melhor se o aviso fosse representado. Em algum ponto, e de algum modo, o casal teria mais impacto interagindo além do que se vê. Contracenar, sempre e obviamente, faz a interpretação crescer. Já o sublinhado musical é a reiteração de um cacoete geracional de parte do teatro brasileiro. Não se faz climas sem canto em inglês. Ao final da representação, quando se ouve Zizi Possi, fica a dúvida se é um lance de "distanciamento". Mas há acerto e beleza na iluminação coerente com a narrativa entrecortada. O espetáculo tem a sutileza da simplicidade e os descompassos das primeiras viagens.
Igor Pushninov e Flávia Teixeira igualmente jovens e em início de carreira, se impõem pela entrega sem maneirismos melodramáticos (visível quando Igor, com sofrimento contido, descreve a tragédia). Juntos - autor, elenco e diretores - anunciam um novo grupo, a Companhia Inerente. Bom começo.
AR VAZIO
Espaço dos Satyros Um. Praça Franklin Roosevelt, 214, Consolação, telefone 3258-6345. 4ª, às 21 h. R$ 20. Até 26/10.
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